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"Sinto que o artista angolano começa a vender as obras de forma brilhante"

FILOMENA MAIROSSI

Artista moçambicana participa na primeira edição do projecto Nzinga, que decorre na MOVART Luanda até 6 de Novembro, junto de Isabel Landama e Sarhai, sob orientação da artista Ana Silva. Filomena quer colher o know-how de Angola para fomentar a arte em Moçambique.

O que a motivou candidatar-se a esta residência?

Estive em Luanda em 2021 numa outra residência, mas, como foi muito curta, ficou ainda muito por explorar, porque identifiquei-me com a cidade, tem muitas similaridades com Maputo. Então, quando apareceu a oportunidade de me candidatar a esta residência, foi a pensar em continuar a explorar as coisas que me tinham interessado. Passar mais tempo na cidade, engajar mais com a comunidade de artistas cá.

O que ficou por explorar quando esteve cá, da primeira vez?

Acho que a cidade tem umas dinâmicas muito interessantes. Tem construção muito nova, e outra já abandonada. Acho que há dinâmicas sociais interessantes. Na altura, o país ia passar por um momento de transição, com as eleições. Eu senti muitas das conversas que tive no ano passado a darem resultados este ano. Vi artistas que conheci no ano passado agora em estágios mais avançados na carreira, a fazerem coisas mais interessantes. Acho o meio artístico interessante e eu queria fazer parte disto.

E agora a residência sobre Njinga...

Sim. Como a residência leva este nome, aliás, mesmo antes, já tinha pesquisado individualmente sobre Njinga. Mas, no contexto da residência, tivemos uma conversa com o Marcos Jinguba e o Eduardo Agualusa, que escreveu um livro inspirado um bocadinho na história de Njinga. Então, tive a oportunidade de explorar um pouco mais a vida de Njinga, sobre a importância que ela tem, não só para Angola, mas para os países da região.

O que aproxima os outros países da região?

Questões identitárias, porque ela virou um símbolo global, de alguma forma. Foi importante trabalhar alguns temas sobre a Njinga.

Como vê as obras dos artistas angolanos com que teve contacto?

Acho que trabalham muito as dinâmicas sociais. Não sei bem, mas tenho a impressão que os artistas moçambicanos, não que não estejam a trabalhar as dinâmicas sociais, mas há mais variedade em termos de temáticas. E aqui, em Angola, vi que muitos artistas estão focados em trabalhar as dinâmicas sociais, as socioeconómicas, sociopolíticas. Acho interessante, porque parece haver uma sincronia em termos de interesses: "estas temáticas são- -nos importantes, por isso, vamos trabalhar nelas".

E poder colocar em exposição?

Têm trabalhos muito interessantes em termos de exploração de técnicas, a forma como exploram os espaços de exposição. Uma coisa que temos em Maputo são poucas galerias.

Os artistas angolanos fazem a mesma reclamação...

Podem ser poucas, mas acho que comparado com a nossa realidade, há mais opções. E, mesmo em termos de explorar espaços que não são tradicionais para exposição, acho que vocês têm maior flexibilidade para fazer isto. Por exemplo, visitei a exposição do Benilde, na Ilha [de Luanda]. Então, poder usar um armazém como aquele para exposição, acho que nós, moçambicanos, temos pouca oportunidade de fazer isto. Então, gosto de estar aqui para ver isto e saber como conseguem encontrar uma solução, quando não há uma solução. Têm espaços como o Hotel Globo, transformaram a sua utilidade para acolher estúdios de artistas.

Essas são acções motivadoras para as artes?

Sim. Isto é muito encorajador, por ver que o País, ou pelo menos, a comunidade de artistas, curadores, galeristas que criam espaços, veículos da arte de qualquer forma.

Uma experiência que vai levar para Maputo?

Sim. Mesmo lá estamos sempre a tentar. Mas quero aprender com os artistas angolanos as formas que usam para convencer os donos destes espaços, porque também tentamos, mas nem sempre com muito sucesso. Já estou a aprender uns troques, em algumas conversas que tenho com colegas angolanos.

Explora várias técnicas no seu momento criativo. Uma não seria suficiente para descrever as suas emoções?

Sei lá, acho que a técnica é o veículo para expressar alguma coisa. Então, dependendo do tema que quero explorar e do contexto em que estou a criar uma peça ela própria vai me pedir uma técnica. Neste momento, tenho trabalhado muito com fotografia, mas recentemente comecei a trabalhar com a instalação, fiz uma em Maputo envolvendo frascos de vidro, sementes e corda de sisal. Estou sempre disposta a explorar todas as técnicas possíveis, aprender ao máximo possível.

Como olha para o tema da reciclagem?

Sou mais pelo uso consciente das coisas, não sei dizer que a reciclagem vai nos salvar, porque quando a reciclagem começa a virar uma indústria encoraja sempre a produção de mais lixo. Então, acho que a reciclagem, neste momento, é importante como veículo de consciencialização sobre a forma como estamos a consumir. Mas o meu mundo ideal, seria um mundo em que não iríamos falar em reciclagem, porque todo nosso consumo seria consciente. Iríamos produzir quase nenhum lixo, iríamos aproveitar tudo. Ao invés de sacos plásticos podiam ser sacos com fibra de bananeira, como fazemos em Maputo. Um material que degrada e volta ao ambiente.

E os artistas vão usando este tema para fazer arte...

Sim. Em Moçambique, tivemos um período onde o Governo instituiu um programa de formação para os artistas usarem as armas e transformá-las em arte. Um dos nomes mais sonantes é o do Gonçalo Mabunda, as suas peças são feitas com pedaços de armas, munições.

Como é que o Estado moçambicano olha para a arte?

Acho que o nosso Estado precisa de fazer um pouco de mais esforço, precisa engajar mais os artistas com artes mais variadas, porque acho que o nosso Estado ainda tem uma visão um pouco limitada do que é a arte. Depois há algumas barreiras como: só é artista quem está listado na associação X. Então, isto limita muito o engajamento do Estado, mas digamos que o que existe não é muito.

Mas há iniciativas?

A última que lembro do nosso Estado foi durante a pandemia, altura em que se criou um `fundozinho" de apoio aos artistas, mas o valor era pouco e tinha muitas limitações no acesso ao fundo. A maioria dos artistas, quando quer produzir, depende muito de outras instituições culturais ligadas às Embaixadas. Temos de esperar as chamadas abertas do Centro Cultural Português, do Alemão e outros. Ou nos candidatamos a estes fundos, como o PROCULTURA, mas é muito limitado. E há um ou outro artista que consegue candidatar-se a um fundo, ou a uma residência artística fora.

Tem mais trabalhos fora ou dentro de Maputo?

Estes considero-os os meus primeiros anos a fazer residências artísticas, porque quero espaços para explorar. Ainda não comecei o meu processo de explorar vendas. E isto é algo que estive a falar com algumas colegas. Eu sinto que o artista angolano começa logo a vender as obras de forma brilhante. O mesmo não acontece lá, pelo menos os artistas da minha geração, é expor para criar nome, não há muito foco em vendas.

Mas existe mercado?

Às vezes, parece que não é esperado que o artista emergente consiga vender ou tenha algo para vender. Também não sei se temos uma grande camada de coleccionadores. E imagina que, por volta de 2017, os artistas emergentes tiveram de vender prints. Ou seja, faço um quadro e como a maior do público que engaja comigo não tem condições para comprar, então, faço scanner.