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"Temos muita falta de respeito pelas crianças, estamos a traumatizar a próxima geração"

FÁTIMA FERNANDES

É autora da "saga" de livros Regina. Para a próxima edição, está na forja o "Regina adolescente", sendo que a filha que dá gás às histórias está a viver esta fase da sua vida. Os patrocínios é algo com que se debate e espera tê-los para publicar o próximo livro.

Os livros Regina são sobre a sua filha. Como é poder transmitir as vossas conversas e situações vividas em livro?

Começou por ser muito engraçado, porque as histórias fazem rir. Era leve, engraçado e tudo mais. Depois comecei a aperceber-me, até pelos comentários de algumas pessoas adultas, que havia ali uma mensagem que não era muito comum.

Qual?

Esta mensagem do diálogo, de permitir que as crianças questionem os mais velhos. E penso que é espectacular saber que estou a fazer algo que mexe com algumas das pedras basilares daquilo que passamos como sendo a educação correcta. Achamos que respeitar os mais velhos é o máximo da educação, é a grande revolução. Está errado. Nós é que devíamos respeitar as crianças.

Temos agora a Regina Especial. O que se segue?

Vamos fazer o "Regina adolescente" mas não sei dizer quando.

Como é esta coisa de a sua filha não gostar que se fale dela, nem do livro?

Ela é adolescente agora, então, está numa fase extremamente complicada de busca de identidade. Então, é normal. Ela precisa de saber quem é, e de repente aparece um livro que fala dela, isto não ajuda em nada, porque ela está a descobrir-se.

Mas ela lê os livros?

Quando era mais pequena gostava de ler, mas agora não. Não fala nem com os amigos sobre o livro. Nunca diz que há uma banda desenhada sobre ela. Nunca. Jamais.

E quando os amigos descobrem?

Ela diz que não gosta, mas uma vez veio toda orgulhosa: mamã, disseram que me conheciam (risos). Depois ela disse: pensei que fosse pelo livro Regina, mas não, era por ser parecida a uma actriz chamada Regina.

Escreveu um livro para os filhos e os pais é que reagem e fazem mais comentários?

Não, o feedback vem das crianças, em primeiro lugar. Os pais não lêem, quando reagem é porque viram uma página ou por qualquer outro motivo. As crianças adoram o livro. Aliás, é mesmo para elas. A crítica considera que o livro é mais direccionado a educar os pais do que a olhar para os filhos. Ainda bem. Mas, como disse, as crianças é que lêem mais o livro e se os pais lessem teriam muito a aprender neste sentido, de que é possível conversar e isto não é falta de respeito, não vai haver o caos, nem as drogas. Pelo contrário. Vai haver muito diálogo, cumplicidade e lealdade, para eles saberem que podem contar connosco para os orientar e não para os ofender. Não para os tratarmos mal e exigirmos que depois de um tempo vão para longe de nós.

Como foi a sua reacção à primeira pergunta da sua filha?

Adorei. Nem sabia que as crianças podiam ser assim tão inteligentes. Mesmo ao ter a minha filha, foi como uma revolução, passei a olhar para o mundo de forma diferente. A criança magoa-se e tu dás um abraço e fica tudo bem. E quando ela pergunta: o que é isto? E vais dizendo que é uma ovelha, um animal. E os pais deviam sentir-se muito inteligentes porque sabemos tudo e elas não sabem ainda nada.

E mostrar a vida...

Acho incrível a maneira como vão perguntando algumas coisas, na perspectiva de criança, e obriga-nos a olhar o mundo de outra forma. Então, passei a achar aquilo tão incrível e fui escrevendo. Mas confesso que muitas histórias se perderam.

Ainda sobre o livro, já recebeu comentários do género "esta criança não é angolana" por conta do contexto?

A Regina nasceu na Ilha de Luanda, frequentou as creches de Luanda, estuda e vive em Luanda. Conhece as províncias de Angola. O que lhe falta para ser angolana!? Que eu lhe bata e diga que tem de respeitar os mais velhos? Isto não vai acontecer. Nós temos de saber que Angola queremos mostrar. E aceitar as novas escolhas de vida? Sim. Que o livro não segue o padrão a que estamos habituados? É verdade. Que este padrão tem de ser mudado? É verdade, porque não faz bem às crianças que depois tornam-se adolescentes e adultos com problemas de depressão, ansiedade, stress pós-traumático. Mas isto no mundo inteiro, os mais fracos sempre são aqueles a quem podemos fazer mal e tem de haver sempre uma luta para consciencializar as pessoas de que não devemos fazer mal a quem não se pode defender. É uma luta ainda.

(Leia o artigo integral na edição 667 do Expansão, de sexta-feira, dia 25 de Março de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)