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EXPANSÃO - Página Inicial

Angola

Na hora da despedida as homenagens chegam dos quatro cantos do mundo

JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS 1942-2022

Foi presidente de Angola durante 38 anos, tendo empossado o seu sucessor em 2017. Está intimamente ligado à história de Angola independente, destacando-se o seu papel na unidade nacional e no processo de paz e reconciliação nacional. Ficou por cumprir a diversificação e o desenvolvimento económico do País.

José Eduardo dos Santos foi presidente de Angola de 21 de Setembro de 1979 a 26 de Setembro de 2017, quando ele próprio empossou João Lourenço. São 38 anos e cinco dias, onde na verdade aconteceram coisas bastantes para que cada um olhe para a figura e mandato do ex-presidente da forma que melhor lhe convier. Tal como as figuras da sua dimensão, não existe unanimidade face à sua actuação e ao que representou para o país que governou.

Parece indiscutível que o facto de ter mantido a unidade territorial nacional apesar da guerra civil que se viveu durante 27 anos, com cerca de 16 meses de intervalo aquando da realização das primeiras eleições gerais em 1992, é de um grande mérito. Convém também aqui acrescentar que José Eduardo dos Santos chega ao poder no rescaldo do maior conflito interno do partido, o 27 de Maio, que existiam milhares de presos políticos, e que em termos internacionais Angola não era aceite por grande parte dos hoje chamados "países ocidentais", que de forma mais ou menos aberta apoiavam o movimento de Jonas Savimbi.

Internamente procurou pacificar os espíritos libertando muitos dos que estavam na cadeia, e externamente iniciou um trabalho diplomático de afirmação do País, e pouco a pouco foi recolhendo apoios para a aceitação de Angola nos grandes palcos internacionais. Esta era outra das características que todos lhes reconheciam, um exímio diplomata e negociador, portador da calma suficiente para conseguir concretizar os seus objectivos degrau a degrau, sem grandes alaridos.

Durante a década de oitenta, os momentos mais difíceis porque passou Angola, reforçou o seu poder internamente e abriu as primeiras janelas do primeiro mundo, sem nunca no entanto fechar os entendimentos com os aliados mais antigos. A este propósito, diga-se que José Eduardo dos Santos nunca abandonou as causas que vinham dos finais da década de setenta apesar nos novos tempos, de é exemplo a manutenção das representações diplomáticas até à sua saída da Frente Polisário ou Alta Autoridade Palestiniana, apesar de todas pressões de Israel, de Marrocos e de muita da comunidade internacional.

Como também deve ser destacado o seu envolvimento com os movimentos de libertação dos países da nossa zona, da importância nas independências de algumas nações da África Austral, de Timor-Leste, ou apoio aos países da CPLP. Outra das características, a lealdade política. Aliás, desenvolveu aquela ideia que "não deixamos nenhuns dos nossos homens na trincheira". E este conceito acabou por unir as pessoas nestes momentos difíceis, apesar de muitos que optaram por sair, mas para os que ficaram havia uma ideia concreta de fazerem parte de alguma coisa comum, de serem País.

Com acordo de Lusaka inicia-se um processo de paz que na verdade só veio a concretizar-se mais de 10 anos depois com os Acordos de Paz de 4 de Abril de 2002, sendo que neste trajecto está também um dos maiores méritos da sua governação. Logo após o reiniciar da guerra civil após as eleições de 1992, José Eduardo dos Santos garantiu a segurança dos deputados, dos militares e dos quadros da UNITA que quiseram ficar em Luanda, sendo que existem passos emblemáticos neste caminho da reconciliação, como a nomeação do general Nunda, que vinha das FALA, para Chefe de Estado Maior das Forças Armadas Angolanas.

A reconciliação e paz são outros dos méritos que praticamente todos lhes reconhecem, mesmo os seus adversários políticos. E foi depois de 2002 que arranca o esforço de reconstrução do País rumo ao desenvolvimento económico e à diversificação económica.

Falhanço

Hoje também quase todos estão de acordo que o maior falhanço da governação de José Eduardo dos Santos foi a diversificação económica com o consequente desenvolvimento económico e melhoria das condições sociais da maioria dos angolanos. A concentração da riqueza na mão de um grupo restrito de familiares e amigos, algo que já vinha da década de noventa e tinha como centro de operações a Sonangol, ganhou uma enorme dimensão quando as receitas petrolíferas cresceram exponencialmente entre 2002 e 2012, o OGE do País passou de 3 biliões USD para 69 biliões em dez anos.

Naquilo que alguns escribas do poder chamavam de acumulação primitiva de capital, assistiu-se a uma concentração da riqueza e da actividade económica na mão de cada vez menos pessoas, apoiados por uma legislação que os beneficiava e que promovia a impunidade. Ao mesmo tempo o sectores da educação e da saúde iam-se degradando, e com eles as condições de vida dos cidadãos comuns, e implantou-se definitivamente aquelas práticas das elites mandarem os seus estudarem e tratarem-se no estrangeiro, que ainda hoje mantém, uma vez que tinham dinheiro para isso

O País real ficou para trás, os principais sectores económicos (energia, telecomunicações, distribuição alimentar, diamantes, imobiliária, etc.) foram concentrados em duas ou três pessoas (onde a sua filha Isabel dos Santos tinha um papel preponderante), generalizou-se a corrupção, e o País passou a figurar nos últimos lugares em todos rankings de transparência, de bem-estar social e de corrupção. Se o País era de todos, a riqueza era apenas para uma minoria.

Ainda hoje é difícil perceber como foi possível desenvolver negócios como a Sodiam, como se deixou gerir daquela forma a Sonangol durante décadas, como é que quando hoje se fazem as contas, se falam de 140 mil milhões de USD que saíram ilegalmente do País. Mas este ambiente, que não premiava a meritocracia, o que levou também a que alguns dos melhores empresários e quadros nacionais tivessem saído de Angola, com todos os custos que isso hoje implica, quando existe uma grande carência de quadros nacionais com competências para comandar os principais projectos.

José Eduardo dos Santos morreu no passado dia 8 de Julho numa clínica em Barcelona, porque o País que governou durante 38 anos não tinha condições para tratar da sua doença. Seguramente que será enterrado em Angola, uma nação e um território que se mantêm unidos, contrariamente ao que aconteceu a muitos países africanos, num ambiente de paz quase único na região, sem ter que se sujeitar a mais guerras internas ou terrorismo, porque conseguiu montar um sistema que não permite o seu desenvolvimento.