Promoção para a minha melhor amiga: não!
Quando estamos sempre a apontar defeitos nas outras pessoas, destacando supostas imperfeições físicas ou intelectuais, estamos, muitas vezes, a atribuir aos outros características que, inconscientemente, assumimos como sendo nossas. A projecção dá voz ao nosso maior terror, enterrado dentro de nós.
A Alice é uma mulher de cerca de 50 anos, alta e atraente, inteligente e competente, mas que afasta todo o mundo devido a uma característica que tem: está sempre a falar mal de tudo e de todos! A Alice está sempre a resmungar: ora é a colega que se veste de forma demasiado provocadora, ora é o colega que sorri demais, o chefe que chega sempre atrasado, o estafeta que cheira a peixe, a menina da recepção que não sabe falar, a cidade que está suja, as crianças que andam em bandos fora da escola, o preço da comida, o preço da gasolina pela hora da morte, a empregada que não sabe cozinhar, as pessoas que não sabem conduzir, os familiares que só se querem aproveitar dela, o calor a mais, o ar condicionado demasiado gelado, a tinta das paredes naquela cor deprimente, o café que sai sempre mal. A Alice encontra, todos os dias, razões para tentar demonstrar a todos os que a rodeiam que a vida não podia ser pior, as pessoas não podiam ser mais malvadas e sem princípios, o emprego não podia ser mais miserável, e os líderes não podiam ser mais loucos ou injustos. Quando parecia que nada a poderia fazer ficar mais indignada com o mundo e com a raça humana, uma notícia cai sobre ela como uma bomba: "A Isabel vai ser promovida!". Como assim? A Isabel? A Isabel, sua melhor amiga, que ela trouxera para a empresa, a quem ela ensinara tudo o que sabia? "Say that again?!!". A Alice olha seriamente para a Isabel: "Olha, Isabel, tu sabes que nós somos amigas e tudo, até és a minha melhor amiga, talvez até mesmo a única amiga que eu tenho, gosto muito de ti, mas tu sabes bem que não mereces essa promoção! Eu estou aqui há muito mais tempo que tu, e fui eu que te recomendei ao DRH! Isso é muito injusto, desculpa lá que te diga!". Os colegas entreolham-se, sem se atreverem a comentar. A Alice entra na sala do PCA: "Desculpe lá, chefe, promover a minha melhor amiga: não!". "Bom dia" - diz o PCA, calmamente. "Bom dia, não, chefe! Péssimo dia!".
Porque é que a Alice é assim? A resposta frequentemente passada entre os colegas é só uma: "Falta de homem".
Por muito que essa explicação possa parecer fazer sentido - já que somos ensinados, desde pequenos, que ter um relacionamento e constituir uma família são o propósito maior, ou pelo menos o mais básico, das nossas vidas - a verdade é que as pessoas não são tão simples assim, nem os relacionamentos são a resposta para passarmos a amar a vida todos os dias. Há pessoas extremamente infelizes, que estão em relacionamentos, tal como há pessoas felizes e realizadas, que não constituíram família.
Mas então, porque é que nós, tantas vezes, não gostamos das pessoas? Vamos ver, a seguir, de forma muito sintética, algumas razões:
1. Porque nos ensinaram a não gostar das pessoas e a desconfiar de todo o mundo. Em crianças, enquanto crescíamos, ouvíamos os pais, os tios e os avós a dizer que as pessoas são más e que tínhamos de ter cuidado com elas. Crescemos a ouvir falar mal de vizinhos e de primos e de tias.
2. Porque não gostamos de nós e projectamos nas pessoas o autodesprezo que sentimos. Quando estamos sempre a apontar defeitos nas outras pessoas, destacando supostas imperfeições físicas ou intelectuais, estamos, muitas vezes, a atribuir aos outros características que, inconscientemente, assumimos como sendo nossas. A projecção dá voz ao nosso maior terror, enterrado dentro de nós: a certeza de que somos "feios" ou "burros", tal como erroneamente nos disseram, quando éramos crianças.
3. Porque não gostamos daquilo com o qual não nos identificamos, sendo preconceituosos em relação a tudo o que é novo e diferente.
4. Porque nos ensinaram que quem gosta de todo o mundo e sorri para todo o mundo: ou é falso, ou não está mentalmente bem.
5. Porque acreditamos que ninguém pode gostar de nós. Então decidimos não gostar primeiro, para nos defendermos.
6. Porque acreditamos que, se gostarmos das pessoas, facilmente elas nos "apanham a pata" e nos manipulam.
7. Porque são, lamentavelmente, exercícios muito humanos falar mal dos outros e tentar destruir quem é mais vulnerável.
8. Por inveja: o que os outros têm não é nosso, e isso é desesperador.
9. Por medo: as redes sociais e a televisão mostram crimes hediondos, praticados por pessoas aparentemente normais.
10. Porque sobrevivemos a um trauma, que nos ensinou que as pessoas mais próximas podem ser o nosso pior pesadelo.
Leia o artigo integral na edição 743 do Expansão, de sexta-feira, dia 22 de Setembro de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)