Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Gestão

Eu não escrevo, eu danço!

EM ANÁLISE

Talvez a melhor e mais justa forma de inteligência que nós possamos demonstrar seja a nossa capacidade de perceber que há muitas formas distintas, todas elas válidas, de se ser inteligente, e pararmos de julgar as pessoas, em geral, ou os nossos filhos, em especial, com base nas notas, ou na sua maior ou menor capacidade de se expressarem através da escrita ou de contas de dividir.

Somos obcecados pela validação dos outros, dos pais, dos amigos, dos colegas, dos chefes, das instituições. Precisamos que nos digam que temos valor! Que estamos a fazer bem. Somos especialmente obcecados com as notas que os nossos filhos tiram na escola, se estão ou não no quadro de honra, e que notas tiraram os nossos sobrinhos e coleguinhas dos nossos filhos (para compararmos). Contratamos explicadores, gritamos, sofremos, gritamos mais, damos castigos, forçamos os nossos filhos a estudarem durante horas, sem possibilidade de pausa e sem ecrãs.

Porque é que agimos assim?

É possível que o façamos, por termos sofrido o mesmo na infância, por nos terem chamado de "burros" (um enorme e muito pouco inteligente insulto que, lamentavelmente, costuma sair das nossas bocas de adultos). Talvez tenhamos reprovado. Talvez os colegas tenham feito bullying connosco, quando não conseguíamos ler bem, em voz alta. Talvez não tenhamos terminado os nossos estudos. Isso pode fazer com que projectemos nos nossos filhos o nosso próprio sofrimento, e a vergonha, muitas vezes inconsciente, de não termos tido um desempenho académico melhor, quando éramos mais jovens. Sentimo- -nos julgados através das notas dos nossos filhos, e precisamos que estas estejam acima de qualquer crítica

É possível que o façamos, também, por o sistema educativo que conhecemos, em quase todo o mundo, ser totalmente voltado para avaliações e resultados numéricos: "Tirou cinco valores!". Pessoalmente, creio ser absolutamente desnecessário e altamente desvantajoso sujeitar as crianças aos testes de avaliação, tal como os conhecemos, antes da sétima classe. E creio que, tal como os finlandeses, deveríamos questionar-nos se faz, de facto, algum sentido matricular uma criança na primeira classe do ensino primário antes dos sete anos de idade. Jessica Joelle Alexander e Iben Dissing Sandahl, em "Crianças dinamarquesas - o que as pessoas mais felizes do mundo sabem sobre criar filhos confiantes e capazes" (2017), explicam que a população da Dinamarca "tem sido eleita a mais feliz do mundo pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OECD) quase todos os anos desde 1973", e isso devido à forma como os dinamarqueses são criados: com foco "nas brincadeiras, nas noções de humanidade, nas habilidades sociais - e não apenas académicas" (pp. 7-14).

Retornando à nossa questão (porque é que ficamos tão zangados quando os nossos filhos não tiram a nota máxima em todas as disciplinas), o mais provável é que o nosso conceito de inteligência seja extremamente limitado. Afinal - e é importante que o repitamos, até que a maioria das pessoas o entenda - as formas de inteligência são múltiplas! Escrever bem ou fazer contas de matemática não são as únicas expressões de inteligência. Em contrapartida, não escrever bem e não conseguir raciocinar de forma lógico-matemática também não faz de ninguém menos inteligente. É preciso mantermos uma mente aberta e não termos medo de questionar conceitos.

Howard Gardner publicou, em 1983, o seu famoso livro "Estruturas da mente", onde descreve sete tipos diferentes de inteligência, nomeadamente: a inteligência linguística; a inteligência musical; a inteligência lógico- -matemática; a inteligência visual/espacial; a inteligência corporal/cinestésica; a inteligência interpessoal; e a inteligência intrapessoal. Posteriormente, acrescentou a inteligência naturalista. Referiu, ainda, as inteligências existencial e espiritual. Assim, para além das inteligências verbal e matemática - lembremo-nos que Português e Matemática continuam a ser consideradas as disciplinas- -chave da escolaridade obrigatória -, temos a inteligência do domínio musical, de conseguir compor música, tocar um instrumento musical, cantar; temos a inteligência corporal, expressa e libertada através do desporto e, claro, da dança, no alinhamento da mente e do corpo, no domínio e no conhecimento corporal e na capacidade de expressão do corpo no espaço físico; temos a inteligência que permite a idealização arquitectónica de grandes edifícios e mesmo de cidades; temos a inteligência que permite ilustrar o mundo e o sonho através do lápis, das tintas, dos pincéis; temos também as inteligências intra e interpessoais - que Daniel Goleman tornaria conhecidas na forma da inteligência emocional -, que permitem o autoconhecimento e a conexão com a humanidade. (Ver Paul Kleinman, em "Psicologia - tudo o que precisa de saber", 2017, p. 125; e o livro da minha autoria "Somos nós a nossa saúde mental", 2022, pp. 55-58).

Creio que a lista poderia continuar. É uma questão de estarmos atentos, curiosos, e não perdermos a capacidade de nos encantarmos com o que os seres humanos são capazes de fazer. Afinal, o mundo é vasto e as expressões de criatividade e inteligência humana são extraordinárias: pela ciência, pela ficção, pela arte, pela religião, pela filosofia. Penso que poderíamos acrescentar à lista a inteligência digital e electrónica; a inteligência culinária; o humor!

Talvez a melhor e mais justa forma de inteligência que nós possamos demonstrar seja a nossa capacidade de perceber que há muitas formas distintas, todas elas válidas, de se ser inteligente, e pararmos de julgar as pessoas, em geral, os nossos colegas, em particular, e os nossos filhos, em especial, com base nas notas, ou na sua maior ou menor capacidade de se expressarem através da escrita ou através de contas de dividir.

Logo Jornal EXPANSÃO Newsletter gratuita
Edição da Semana

Receba diariamente por email as principais notícias de Angola e do Mundo