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Grande Entrevista

"Angola não forma gestores de marketing na quantidade e qualidade que precisamos"

MARIA JOÃO ABREU SÓCIA-GERENTE DA BRAND WORKS ANGOLA

Maria João Abreu acredita no potencial do marketing para o desenvolvimento sustentável de empresas, num mercado onde a informalidade tem um grande espaço e defende a mudança de atitude de gestores que tardam em abraçar estratégias e governance no exercício da actividade.

O marketing no País tem passado por várias fases. Que avaliação faz deste segmento que actua em vários sectores da economia nacional?

inda é tímido. Se por um lado há clientes que têm a necessidade clara e evidente e conseguem até verbalizá-la, expressá-la, identificar de forma minuciosa os seus problemas e conseguem reconhecer que precisam de ajuda porque lhes falta competência, estrutura, ou uma outra razão, por outro lado também há uma grande maioria de empresas que ainda não recorre a serviços de consultoria e marketing. Ainda é uma novidade, infelizmente, para nós. Mas, apesar de tudo, crescemos em contraciclo neste período de crise económica, o que considero bastante positivo, face ao contexto.

Quando diz que algumas empresas ainda não olham para consultoria e marketing como mais-valia, é por receio?

Em primeiro lugar, não é uma prática recorrente no nosso mercado. Existem serviços de consultoria em muitas outras áreas e disciplinas de gestão, nomeadamente finanças, contabilidade, recursos humanos. Até consultoria em áreas mais técnicas como, por exemplo, tecnologia da informação, indústria, mas na área de marketing isto efectivamente é uma novidade.

Porque não existia?

Penso que a razão por trás disto é porque o marketing neste momento ainda é a disciplina de gestão menos valorizada, comparando com outras. Portanto, se ao mesmo tempo é aquela que poderia ser uma ferramenta estratégica para desenvolvimento de negócio com potencial enorme naquilo que é a sustentabilidade e a resiliência em tempos de crise, por outro lado é a disciplina menos valorizada. Portanto, isto também tem impacto naquilo que é a cultura da procura dos serviços de marketing.

Menos valorizados?

Acho que este problema tem vários braços. Angola não forma gestores de marketing na quantidade e qualidade que nós precisamos. Temos inclusive algumas universidades, ou pelo menos uma que eu saiba, que no terceiro ou quarto ano do curso de gestão de marketing canaliza os alunos para outra licenciatura, porque o número de alunos é tão reduzido que não compensa financeiramente manter aquela turma. Portanto, não temos profissionais preparados em Angola.

Falta formação?

O que acontece é que, generalizando, porque há excepções, temos muitos profissionais que trabalham em marketing, mas não têm qualificações em marketing. Podem ter qualificações em design, marketing digital, ou uma área específica, mas naquilo que é a gestão e a estratégia em marketing, ainda não temos a qualidade e a quantidade necessária de quadros. Os empregadores também entendem isto. Os próprios alunos universitários não reconhecem marketing como uma área que tenha boa saída.

A alegada falta de saída profissional não condiciona a escolha do marketing como carreira?

Também... Os quadros não são bem pagos em relação a outras áreas de gestão como, por exemplo, a contabilidade e finanças... Não são quadros que tipicamente ascendem à direcção geral, que se sentam no board de uma empresa. Muitas vezes até reportam a uma direcção comercial e não à direcção geral ou à administração. Agora, falando do lado da liderança, também temos, infelizmente, muitas lideranças que deixam muito a desejar.

Em que sentido?

No sentido técnico, comportamental. Temos lideranças com egos muito grandes, com pressa de fazer acontecer. Querem ver a parte promocional mais activa e menos a parte estratégica e de governance. Infelizmente, a nossa economia e as nossas empresas têm práticas muitas vezes informais que não abonam a favor das boas práticas de gestão e de governance. Temos muitos chefes, o nome correcto é mais este, que preferem conduzir a sua execução, a sua gestão, mais a seu sabor do que propriamente ouvir aquilo que os profissionais estão a dizer. Ouvir aquilo que o mercado está a pedir, saber ler as necessidades, saber construir uma proposta de valor que faça sentido e seja competitiva. Infelizmente, temos aqui falhas ao nível da liderança.

É importante a liderança olhar para estas questões?

Sim. Há empresas efectivamente em que a gestão de marketing, marketing estratégico e também o marketing de crescimento existem. E têm recursos e orçamentos dedicados e são levados a sério. Mas ainda é um número bastante reduzido

Hoje o marketing não é só vender um produto...

Não. Na verdade, hoje o marketing deveria ser encarado como uma ferramenta estratégica que as empresas utilizam para saber ler melhor a demanda, a necessidade, a concorrência e a oferta. Canais de distribuição, preços, fazer análises e depois informar decisões de negócio que vão tornar a empresa mais competitiva, mais resiliente e mais sustentável em termos financeiros, competitividade e em termos sociais. Mas a nossa realidade, infelizmente, é que o marketing ainda é encarado como uma área de branding, onde se tratam os aspectos mais visíveis da execução de uma marca. Ainda não estamos lá.

Leia o artigo integral na edição 797 do Expansão, de sexta-feira, dia 11 de Outubro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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