"É necessário que as pessoas que lideram Angola pensem primeiro no País"
No rescaldo do lançamento do livro "Desistir não é opção", Pedro Godinho fala do seu trajecto empresarial, da forma como vê a governação do País, apontando os erros e as virtudes de quem lidera. E aponta caminhos para o futuro.
Lançou recentemente um livro que fala do seu trajecto profissional. Porque é que lançou esta obra agora e o que pretende?
Não foi iniciativa minha. O livro surge como resultado de uma pressão social, sobretudo de uma camada jovem, a nova geração, que precisava de referências e que foi acompanhando os meus passos. Uns de forma próxima, outros de forma distanciada ou remota, mas estavam interessados em saber como era possível ter, com as dificuldades que o País impõe a todas as pessoas que tentam enveredar pela actividade empresarial, conseguir, apesar de tudo, ir marcando passos e conseguir algumas conquistas. Depois de dois anos de muita pressão, eu decidi então começar a escrever, levou-me também algum tempo, porque conciliar com as actividades profissionais não foi fácil.
Com que objectivos?
A nova geração precisa de referências. E aqui as referências, de uma forma geral, são aquelas de que "chegou a minha vez, agora é o meu dia e eu vou facturar". Porque isso já se tornou numa filosofia, numa doutrina. Ao passar esses ensinamentos para os mais jovens, não estamos a fazer um país melhor.
É possível ter sucesso mesmo fora da esfera pública?
É possível. Eu estou aqui exactamente como resultado disso, mas é um calvário. Todos os dias, sempre que se pensa em desenvolver um projecto, temos de estar preparados para enfrentar muitas batalhas, muitos obstáculos e, muitas vezes, obstáculos criados, inventados, reinventados, no sentido de nos fazer desistir. Por isso é que o título do livro é "Desistir não é opção". Muitos que aí andam, estavam à espera que eu um dia desistisse.
Mas na verdade nunca pensou em desistir?
Senti-me tentado e foi exactamente a força da família, que depois me questionou se muitas pessoas que estão há mais tempo no mercado nunca desistiram, porque é que eu o iria fazer? Parei para reflectir e pensei que se é aqui que estou, é aqui que vou lutar e é aqui que vou ficar.
Este livro encerra um ciclo?
Não, não! É só o pontapé de saída. Penso que é uma obrigação moral das gerações mais velhas partilhar as suas experiências com as mais novas, porque estas vão buscar referências fora, além fronteiras, e com realidades bastante diferentes da nossa. Temos de contar a nossa história
Também teve as suas referências?
Uma das minhas referências foi o António Mosquito. Ele começou como empresário ainda enquanto Angola era uma província ultramarina e, mesmo com todas as peripécias e vicissitudes, conseguiu chegar onde chegou, até hoje. E muitas vezes, quando eu quis desistir, pensei: o mais velho Mosquito não desiste porque é que eu vou desistir? Serviu-me de referência. Qualquer ser humano precisa, sobretudo para enfrentar dificuldades, de ter referências positivas que o estimulam, motivam para quando cair poder sentir.
Mas há momentos em que se pensa, vou-me embora não vale mais a pena. Alguns já o fizeram.
Desde 1974 que continuam a sair angolanos porque não resistem. Acreditam no País, acreditam no futuro, no desenvolvimento de Angola, mas a uma certa altura, concluem que é melhor ir para outro sítio. As pessoas continuam a alimentar a esperança de encontrarem melhores condições em outras geografias. O objectivo desse livro é fazer recordar aos angolanos, e sobretudo jovens, que desistir da nossa mãe pátria não é solução. Angola está a atravessar um período de extrema importância quanto ao seu desenvolvimento e para isso precisa de cérebros. É necessário que a nossa liderança comece a pensar exactamente em desenvolver políticas que consigam manter os cérebros que já cá estão.
Mas a liderança não é muito inclusiva. Esse é um problema, não?
Se não for muito inclusiva, é necessário que se levantem vozes, alertar. O grande problema também é que, acredito, o 27 de maio de 1977 levou a que as pessoas se conformassem, acabassem por não questionar o modelo de liderança e nem peçam resultados. Por exemplo, em pleno século XXI é importante que a nova geração questione o que é que a nova liderança pode fazer para pôr Angola entre o G7 e o G20. O País tem bastantes recursos humanos para lá chegar, além dos recursos naturais.
Mas esse potencial não se reflecte na vida da quase totalidade das pessoas. Porquê?
Porque as pessoas não pensam País, não pensam nação. As pessoas pensam que ter uns "tostõezinhos" numa conta bancária lá fora, com uns "chimbecozinhos" na Europa ou em outra parte do mundo, e com casas aqui em Talatona, é tudo. Mas essa pessoa, se parasse para pensar e analisasse profundamente, de forma patriótica, acabaria por concluir, se ele hoje tem 10 milhões USD lá fora, teria a possibilidade de ter 20 ou 30 milhões num banco aqui no País, e ia contribuir para que Angola estivesse desenvolvida o bastante para que fosse um ponto de chegada de pessoas que vêm das outras geografias à procura de oportunidades. Eu quero mesmo enfatizar isso. A juventude precisa exigir que a liderança, quem quer que esteja no poder, traga uma estratégia para colocar Angola entre as sete e as 20 maiores economias do mundo.
Parece muito ambicioso
Temos tudo para ter um país desenvolvido, com um índice de desenvolvimento humano alto. Aqueles sonhos básicos como ter pão na mesa, ter um carro, ter uma casa, ter a família perto, deve acontecer sem pressão. E o que nós vemos hoje é o contrário. As pessoas acordam sem saber como alimentar a família, onde ir buscar o pão, de tal forma que muitos chefes de família já estão a alimentar os seus dependentes a partir do contentor de lixo. Mas isso é falta de capacidade ou falta de conhecimento de quem governa? Falta de patriotismo, porque conhecimento há. Felizmente esta nossa mãe-pátria, em 50 anos de independência, gastou milhões, para não dizer biliões, a mandar os seus filhos para as melhores academias e universidades do mundo. Mas muitos não regressam. Não regressam, exactamente, porque não há um modelo de atracção para essas pessoas. O meu ponto de vista é que o País devia definir uma estratégia para fixar os que já cá estão e trazer aqueles que estão lá fora. Porque muitos dos que estão lá fora têm o sonho de voltar para aqui. Mas só não vêm porque não há condições. O modelo de vida que o angolano-médio tem é paupérrimo, não é compatível com os sonhos de pessoas que se habituaram a um modelo de vida do outro lado, no Ocidente.
Como é que se pode atingir esse nível de desenvolvimento?
Primeiro é necessário que as pessoas que lideram o País pensem primeiro País, pensem na Nação, assumam o patriotismo como condição inegociável. Eu acredito que muitos que estão nesses lugares têm outras agendas.
Explique-nos o que quer dizer.
Foi com satisfação que vi a doutora Luzia Sebastião levantar a questão das duplas ou triplas nacionalidades. Porque a verdade tem de ser dita. Eu, com duas ou três nacionalidades, quando estiver sentado com responsabilidade de Estado para tomar decisões a favor de Angola, um dos países do qual eu sou nacional, se do outro lado vier e disser, "olha, não te esqueças, esse também é o interesse da tua nação que te faculta o passaporte cor de vinho que tens contigo aí, e que te dá acesso ao mundo". Então não te podes esquecer quem tens de ajudar. Eu acho que muitos dos nossos líderes que aqui estão, estão mais preocupados em dar benefícios, em conduzir os processos de forma a que os resultados possam beneficiar outras economias, sobretudo naqueles países onde têm a nacionalidade. E, se for portuguesa, se calhar, um dia receber a Cruz de Camões.
Acredita mesmo nisso?
Há decisões tão danosas em relação ao nosso País que eu não acredito que seja só por simples motivação, porque "lerdos" não são, ignorantes também não porque estiveram nas melhores academias do mundo, e se hoje conseguem fazer isso é porque há uma agenda, uma segunda agenda, uma agenda paralela.
Concretize essa ideia.
Por exemplo, há muitos posicionamentos que o Presidente da República assume e que, naturalmente, vê-se que se preocupa com o seu cidadão. Mas as pessoas que o rodeiam estão em contramão. E vão na contramão de tal forma que, mesmo orientadas, acabam fazendo as coisas ao contrário. Por exemplo, a lei 2/12 é uma das coisas que tem dado a beneficiar outras economias, outros cidadãos e menos Angola.
O ministro de Estado José Massano já disse que essa lei é para manter
E continua a ser o ministro de Estado. Uma pessoa que assume uma postura para manter os biliões lá fora e deixar o país de tanga, sem recursos em termos de divisas, o que é que se pode pensar disso? Estes recursos estão a esvair-se, estão a ser aplicados em força lá fora.











