EUA luta por influência em África e acena com 55 mil milhões USD
A cimeira de chefes de Estado que decorreu esta semana em Washington, numa altura em que África ganha influência no xadrez mundial, foi antecedida de uma grande operação diplomática dos EUA no continente africano e pelo anúncio de investimentos de 55 mil milhões USD em África, nos próximos três anos.
"Na Rússia, os líderes africanos foram banqueteados numa estância balnear onde aviões militares para venda estavam estacionados fora da sala da cimeira. Na China, jantaram com o Presidente Xi Jinping, alguns deles um a um, e receberam promessas de investimento no valor de 60 mil milhões de dólares. Na Turquia, ganharam apoio para um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Agora dirigem-se a Washington para uma grande cimeira organizada pelo Presidente Biden - o último impulso diplomático de uma grande potência estrangeira que procura reforçar os seus laços com África, um continente cujo peso geopolítico tem crescido muito na última década".
Os dois primeiros parágrafos do artigo do correspondente- chefe em África do The New York Times, Declan Walsh, enquadram a Cimeira EUA-África, que conta com 50 delegações, uma das quais da União Africana, num contexto de perda de influência dos EUA em África. O artigo, com o título "Biden traz líderes africanos a Washington na esperança de impressionar", foi publicado na véspera do arranque da cimeira, dia escolhido pelos EUA para divulgarem a lista actualizada das sanções ao Zimbabué, que inclui agora Emmerson Mnangagwa Jr., filho do Presidente do Zimbabué (o pai já fazia parte da lista). Uma decisão "inoportuna", segundo analistas, para quem lança uma "operação de charme" aos líderes do "continente do presente", como João Lourenço se referiu a África num encontro organizado pelo Exim Bank, e que tem a maior zona de comércio livre do mundo.
A tentativa de os EUA ganharem influência em África, como evidencia o jornalista Declan Walsh, enquadra-se numa "luta internacional por interesses militares, comerciais e diplomáticos" no continente, "há muito dominado pela China", e que se expandiu nos últimos anos para incluir outras potências, como a Turquia e os Emirados Árabes Unidos, além da Rússia, um velho "amigo", como frisou, segunda-feira, o Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, numa iniciativa em Londres.
Jogos geopolíticos
"Nesta intensa competição, os EUA têm ficado para trás, dizem os analistas - um declínio que a administração Biden espera inverter com a Cimeira de Líderes EUA-África", escreve o correspondente-chefe do NYT. A perda de influência dos EUA desde a primeira cimeira EUA-África, organizada pelo Presidente Barack Obama, em 2014, mede-se pelos números. O comércio chinês com África atingiu os 261 mil milhões USD em 2021, enquanto o comércio com os EUA diminuiu para 64 mil milhões USD, representando 1,1% do comércio global do país.
A cimeira foi antecedida de uma grande operação diplomática no continente africano e do anúncio de investimentos na ordem dos 55 mil milhões USD, nos próximos três anos. Numa série de briefings que antecederam o encontro de cúpula, funcionários norte-americanos anunciaram a assinatura de uma série de acordos comerciais entre empresas africanas e americanas e uma iniciativa para impulsionar a "economia verde".
A Lei do Crescimento e Oportunidade de África (AGOA), que expira em 2025 e que permite o acesso livres de direitos a quase 7 mil produtos por parte de três dúzias de nações africanas, foi discutitida na cimeira e com membros do congresso. Segundo a Bloomberg, África do Sul corre o risco de perder parte do acesso preferencial aos EUA se as suas políticas comerciais prejudicarem os exportadores americanos em relação aos seus homólogos de nações desenvolvidas.
Uma componente importante da agenda de três dias da Cimeira USA-Africa foi o fórum de jovens líderes africanos e da diáspora, cuja discussão girou em torno do ensino superior, indústrias criativas e equidade ambiental.
União Africana no G20
Da cimeira também sairá reforçada a colaboração da NASA com programas espaciais africanos, uma das áreas mais cobiçadas, tendo em conta que a economia espacial africana crescerá 30% até 2024. Esta é uma "oportunidade para os EUA ajudarem com tecnologias para resolver problemas relacionados com as alterações climáticas, agricultura, segurança, pesca e mineração", refere a imprensa dos EUA. Apesar de África continuar a enfrentar problemas na obtenção de financiamento, a crescente procura de influência das potências internacionais no continente equilibrou o jogo e fortaleceu a posição africana no xadrez mundial. O jogo já não dependerá de imposições, mas de escolhas.
O sucesso da estratégia norte-americana, depois da relação "desastrosa" da Administração Trump com África, depende do facto de Biden estar disposto a envolver-se com os africanos como iguais e não "como um irmão mais velho a dizer aos países o que devem fazer", conclui Declan Walsh, citando Sithembile Mbete, professor catedrático de política na Universidade de Pretória, na África do Sul.
A proposta dos EUA para que a UA se torne membro permanente do G20, o grupo das 20 maiores economias, é um passo nesse esforço para impressionar os líderes africanos. Mas resulta mais da pressão feita pelos Presidentes de África do Sul (o único país africano no G20), Cyril Ramaphosa, e do Senegal, Macky Sall, presidente em exercício da UA, do que de um gesto de boa vontade da Administração Biden.