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Acordo Indo-Pacífico ou acordo anti-China

Aukus, um acordo que pode mudar o mundo

As duas grandes economias do mundo estão num outro patamar da luta pela hegemonia, económica, sobretudo, mas também de domínio e dissuasão. E pelo Mar do Sul da China passa um terço do comércio mundial, o domínio da ligação entre o Índico e o Pacífico é crucial. O mundo vive uma nova Guerra Fria. Mais uma vez os Estados Unidos de um lado mas agora com a China do outro

Os Estados Unidos, Austrália e Reino Unido anunciaram um "acordo histórico" de segurança para o Indo-Pacífico, o mundo anglo-saxão uniu-se e irritou Bruxelas, muito em particular a França de Emmanuel Macron, mas este acordo tem um objectivo óbvio: conter o avanço da China. E a notícia caiu que nem uma bomba em Pequim.

Negociado em segredo, o pacto, que é antes de mais militar e que ficará para a História com o nome de Aukus (o acrónimo dos países que os subscrevem: AU - Austrália, UK - Reino Unido, US - Estados Unidos), permitirá, por exemplo, que a Austrália construa submarinos de propulsão nuclear com tecnologia norte-americana.

O acordo inclui ainda a partilha dos serviços de informação, de inteligência artificial, tecnologia quântica e cibersegurança, no que é considera a maior parceria, em décadas, por parte destes países, que têm demonstrado enorme inquietação pela crescente presença militar da China na região do Indo-Pacífico.

A nova parceria procura "promover a segurança e a prosperidade" na região, e contam com o apoio da Índia e do Japão.

A reacção da China começou pela embaixada dos Estados Unidos em Washington, com a acusação de "mentalidade de Guerra Fria e preconceito ideológico", que acrescentou que as nações não deviam "construir blocos de exclusão". Mas logo de seguida, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, em Pequim, Zhao Lijian, afirmou que a iniciativa servirá apenas para estimular uma "corrida armamentista" na Ásia-Pacífico e "prejudicará a paz e a estabilidade regionais". Acrescentou que os parceiros Aukus "devem abandonar a sua mentalidade de Guerra Fria e trabalhar mais pela paz e estabilidade" porque, de outra forma, "acabarão por sair prejudicados", afirmou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, tido como um dos jovens nacionalistas da linha mais conservadora do Partido Comunista Chinês (PCC).

Para fazer este acordo, a Austrália abandonou um projecto de 190 mil milhões de dólares assinado com a França, em 2016, ao abrigo do qual seriam construídos 12 submarinos não nucleares. O contrato já não corria muito bem entre os dois países, e agora a Austrália colocou um ponto final no acordo, Emmanuel Macron reagiu, obviamente irritado, falando em "uma punhalada pelas costas".

Seja como for, o Aukus pode ser também um acordo para a construção da primeira Marinha global de que há memória.

Aukus

É o maior acordo de segurança entre três nações desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), afirmam analistas do sector de defesa e segurança. Embora os EUA, o Reino Unido e a Austrália sejam aliados há décadas, o Aukus formaliza e aprofunda a cooperação de defesa entre os três países.

O pacto de defesa complementa-se com um outro, o de inteligência, conhecido por Five Eyes, que também inclui o Canadá e a Nova Zelândia.

Boris Johnson já veio dizer que o tratado não afecta outras alianças estratégicas como a Organização do Trato do Atlântico Norte (OTAN, ou NATO no acrónimo inglês). "Esta é uma oportunidade histórica para as três nações, com aliados e parceiros com ideias semelhantes, para proteger os valores compartilhados e promover a segurança e a prosperidade na região do Indo-Pacífico", afirmam, em declaração conjunta, os mandatários dos três países. Não se referindo directamente à China, mas disseram que os desafios à segurança regional "aumentaram significativamente".

A China e as ambições do PCC

O crescimento militar da China tem preocupado as potências rivais nos últimos anos. E Pequim tem sido acusada de aumentar as tensões em territórios disputados, como o Mar do Sul da China, que liga os oceanos Pacífico e Índico, e tem rotas comerciais que movimentam um terço das mercadorias do mundo, são mais de 3 biliões de dólares por ano que passam por ali.

O Mar da China é, há anos, um lugar de disputa da China com vários países da região, como o Vietnam ou a Malásia, e depois há, ainda, a questão de Taiwan.

Um dia Otto von Bismarck disse que se alguma coisa corresse mal no Leste europeu a Europa teria uma guerra. E correu. E aconteceu a Primeira Grande Guerra, agora teme-se que se alguma coisa correr mal no Mar do Sul da China se possa chegar a um ponto de tensão militar sem retorno. E a China tem investido largas somas no sector militar com particular destaque para a sua Guarda Costeira, mas ampliando a Marinha e a Força Aérea ao mesmo ritmo.

Huiyao Wang, conselheiro do governo chinês e presidente do Centro para China e Globalização (um dos principais think tanks da China) disse, em entrevista à BBC, que não entende o propósito de um acordo militar dessa magnitude em tempos de paz. Questionado se o Aukus não seria uma resposta à ampliação da frota naval da China, Wang diz que esse movimento estratégico chinês não mira a ofensiva militar, mas a defesa do país. "Há navios, porta-aviões dos EUA, do Aukus, circulando com frequência na região da China. Nós não vemos a marinha chinesa no Caribe, na Flórida ou no Havai", disse Wang.

A Austrália passará a ser a sétima nação do mundo a ter submarinos com propulsão nuclear, ao lado de EUA, Reino Unido, França, China, Índia e Rússia.

"Isso muda o equilíbrio de poder na região. Se a China enfrentar uma situação militar no Mar do Sul da China ou no Estreito de Taiwan, essa nova parceria militar afectará a resposta que a China terá de preparar", disse à BBC Yun Sun, co-diretora do Programa para o Leste Asiático no Stimson Center, sediado em Washington.

Para John Blaxland, professor do Centro de Estudos de Estratégia e Defesa da Universidade Nacional Australiana, a Austrália tem ganhos claros com a parceria militar, mas, por outro lado, o país associa seu destino ao dos EUA e dificilmente escaparia de se envolver automaticamente em um eventual conflito armado.

Em reacção ao anúncio do Aukus, a vizinha Nova Zelândia disse que baniria os submarinos australianos de suas águas, de acordo com sua actual política sobre a presença de submarinos com propulsão nuclear. Segundo a primeira-ministra Jacinda Ardern, seu país, que tem optado por não se aliar nem aos Estados Unidos nem à China, não foi convidado para fazer parte do Aukus. Aliás, a Nova Zelândia está cada vez mais distante do que se entende por 'angloesfera'.

A Austrália adoptava a mesma postura, de não alinhamento aos EUA ou à China, mas, e segundo os especialistas, o avanço do poderio militar chinês na região e as retaliações contra a Austrália levara o primeiro-ministro Scott Morrison a escolher um lado no tabuleiro geopolítico.

O primeiro-ministro australiano ainda quis falar com Xi sobre o novo pacto, mas o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Pequim disse não ter conhecimento desse gesto, e, pelo contrário, acusou Camberra, com quem Pequim já tinha um relacionamento difícil desde que o Governo australiano pediu explicações à China, no ano passado, sobre a origem da pandemia do novo coronavírus, de ser o único culpado da deterioração das relações bilaterais. "A Austrália precisa pensar se quer ver a China como parceira ou como uma ameaça", disse Zhao Lijian.