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Reforma da "finança global" é desafio para os países africanos

CRÍTICAS AO SISTEMA FINANCEIRO GLOBAL PRESSIONAM REFORMAS PARA RETIRAR PESO A MOEDAS FORTES

O "privilégio exorbitante" concedido às economias avançadas através da emissão de moedas de reserva globais "tem distorcido a distribuição da liquidez" e a maioria dos países sem grandes reservas cambiais não consegue "sustentar o valor da sua moeda, cumprir obrigações internacionais ou incutir confiança", defende Hipolyte Fofack.

Seis países africanos, entre eles o Gana, e a Comissão da União Africana participaram na II reunião da Parceria Global do G20 para a Inclusão Financeira (GPFI), que decorreu em Hyderabad, Índia, para, entre outros temas, discutir o financiamento das pequenas e médias empresas, numa altura em que crescem as críticas ao actual sistema financeiro mundial. Se a China, Índia e Rússia se afastarem, arrastando os países emergentes, torna-se necessária a reconfiguração do actual sistema, mas a desdolarização da "finança global" traz desafios, sobretudo para os países africanos, adverte Alves da Rocha.

A reunião, que contou também com a presença do secretariado da Zona de Comércio Livre Continental Africano (ZCLCA), ocorre no ano da presidência do G20 da Índia, país que fez da reforma do sistema financeiro internacional uma das suas bandeiras. Dias antes, na abertura da reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros do G20, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, repetiu que a ordem internacional criada após a II Guerra Mundial não conseguiu cumprir os seus objectivos e o impacto "esmagador" desse fracasso é sentido sobretudo pelo mundo em desenvolvimento. Palavras que têm eco junto do secretário-geral das Nações Unidas.

Na 5.ª Conferência das Nações Unidas sobre Países Menos Desenvolvidos, no Qatar, António Guterres qualificou de enviesado o sistema financeiro global, "desenhado pelos países ricos para benefício dos países ricos", em que as economias menos desenvolvidas enfrentam "taxas de juro que podem ser até oito vezes mais altas".

Hippolyte Fofack, director de pesquisa do Banco Africano de Exportações e Importações, vai mais longe. Num artigo em Fevereiro, o economista-chefe do Afreximbank defende "grandes reformas para corrigir os defeitos estruturais de nascença do sistema financeiro", saído de Bretton Woods, caracterizado pela supremacia do dólar e no qual os EUA emergiram como "banqueiro do mundo".

Privilégio exorbitante

O "privilégio exorbitante" concedido às economias avançadas através da emissão de moedas de reserva globais "tem distorcido a distribuição da liquidez internacional" e a maioria dos países sem grandes reservas cambiais não consegue "sustentar o valor da sua moeda, cumprir obrigações internacionais ou incutir confiança nos investidores", porque, segundo Fofack, "todo o sistema concorre para acentuar as desigualdades". É, pois, chegada a hora de um novo modelo que diminua os "elevados custos" associados à dependência excessiva de algumas moedas de reserva, como propôs a ministra das Finanças da Indonésia. Sri Mulyani Indrawati defendeu, no início da presidência indonésia do G20 em 2022, o estabelecimento de acordos de pagamento em moeda local, já que ajudaria muitos países emergentes "a gerirem choques", países que sofrem "sempre que grandes economias avançadas, como os EUA, endurecem a política monetária".

Hippolyte Fofack nota que cerca de 60% das reservas cambiais dos bancos centrais são denominadas em dólares e o dólar está envolvido em mais de 90% das transacções de balcão nos mercados cambiais. Mas se a supremacia do dólar era economicamente justificável após a II Guerra Mundial, nas décadas que se seguiram esse papel diluiu-se com a deslocação dos centros de produção, a ascensão do "Sul Global" e a criação dos BRICS, bloco de economias emergentes formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que detém a presidência rotativa, que concentra 31,8% do PIB global.

Desdolarização nas trocas

Para o economista Alves da Rocha, director do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, "é evidente o peso económico e a importância política" dos BRICS, agrupamento geográfico que poderá alargar-se a 15 membros, com os novos pedidos de adesão. "Mas para os completar falta a superestrutura financeira e monetária, para o que se vai tornar fundamental a desdolarização das relações comerciais entre estes países", nota Alves da Rocha, lembrando que há uns anos "levantou-se a alternativa de a moeda chinesa poder desempenhar o papel do dólar".

Caso a China, Índia e Rússia se afastem, arrastando muitos outros países emergentes, "uma reconfiguração do sistema financeiro internacional vai tornar-se necessária", segundo o director do CEIC, e o "FMI vai ter de ser substituído e o seu modelo de intervenção abandonado, porque na verdade não tem conseguido solucionar os problemas do crescimento económico de muitos países".

Se a deslocalização do desenvolvimento for uma realidade, acrescenta Alves da Rocha, a desdolarização também será, o que trará riscos e desafios, "especialmente para os países africanos, habituados ao neocolonialismo monetário da Europa e da França, por exemplo, com a imposição do Franco CFA, que ainda se mantém ainda que disfarçado com o Euro".

"Pretender-se, como pretende o FMI, que as suas políticas e práticas de ajustamento macroeconómicas são universais não tem convencido. Quando se fala da Nova Ordem Mundial, no fundo, é disto que se trata: fazer corresponder os sistemas financeiros e monetários à nova realidade económica mundial, acelerada pela guerra na Europa e pelas sanções", remata o director do CEIC.

(Leia o artigo integral na edição 715 do Expansão, de sexta-feira, dia 10 de Março de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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