A economia política do Corredor do Lobito: Um épico de ambições e conflitos geoestratégicos (1903-2025)
O Corredor do Lobito não é apenas uma infraestrutura; é um microcosmo das lutas e esperanças de Angola. É o palco onde o passado colonial e as ambições globais se confrontam com o desejo de autodeterminação de um povo. Será este corredor perpetuador das assimetrias de outrora ou o arauto de uma nova era de soberania económica?
A economia política, no seu fulgor conceptual mais elevado, é o estudo das forças tectónicas que moldam as sociedades e os seus destinos. É o campo onde os interesses económicos colidem com as pulsões culturais, e os jogos de poder desenham a cartografia dos triunfos e fracassos humanos. O Corredor do Lobito, nascido do fervor colonial, é hoje mais do que um eixo de transportes: é um palco onde o passado colonial, o presente fragmentado e um futuro promissor se cruzam. Sob os trilhos e as águas do porto escondem-se não apenas ambições nacionais, mas também o fulgor de uma nova "Guerra Fria" económica travada entre superpotências globais - os Estados Unidos da América e a República Popular da China
Adam Smith, Keynes e a nova guerra económica
A ideia da "mão invisível" de Adam Smith, essa força subtil que harmoniza interesses privados em benefício coletivo, alimenta o pensamento neoliberal que defende que o mercado, se deixado livre, encontrará naturalmente o equilíbrio. No entanto, este conceito, já contestado no século XX por John Maynard Keynes, enfrenta no século XXI uma nova transfiguração. O Corredor do Lobito é, simultaneamente, espaço de investimentos privados e de intervenções públicas, mas também um campo de batalha geopolítico, onde China e EUA disputam a hegemonia económica em África. A batalha pelos recursos angolanos - cobre, cobalto e diamantes - não é apenas uma questão de mercado, mas um reflexo das tensões globais que evocam os ecos de uma Guerra Fria transposta para o tabuleiro económico. Nesse contexto, o Corredor do Lobito, com os seus 1.344 km de extensão, emerge como um palco emblemático onde os interesses locais, nacionais e globais se entrelaçam. Não é apenas um eixo de transporte; é uma alegoria viva das contradições e esperanças de Angola. Desde a sua génese imperial até ao confronto geoestratégico contemporâneo entre China e Estados Unidos da América, este corredor testemunhou um século de aspirações e disputas, progresso e desigualdade, promessas e desilusões.
1903-1975: A génese imperial - O Caminho de Ferro de Benguela
Concebido em 1903, sob a liderança visionária de Sir Robert Williams, o Caminho de Ferro de Benguela (CFB) nasceu para ligar as riquezas minerais do Catanga, na República Democrática do Congo (RDC), ao Atlântico, consolidando o Porto do Lobito como um fulcro estratégico do comércio global. Durante as décadas iniciais, o corredor foi um prodígio técnico e económico, transportando cobre, cobalto e diamantes das profundezas africanas para mercados europeus. Cidades como Benguela e Huambo floresceram à sombra desta artéria vital, tornando-se centros dinâmicos de atividade económica e cultural. Contudo, esse progresso era profundamente assimétrico. Sob o jugo colonial, os lucros escoavam-se para mãos estrangeiras, enquanto as populações locais permaneciam marginalizadas, presas numa lógica de exploração extractivista. Assim, o CFB tornou- -se não apenas um trilho de mercadorias, mas também um símbolo das disparidades estruturais que definiram a era colonial.
1975-2002: Independência e declínio - A guerra quente
O porto, com capacidade para processar mais de 10 milhões de toneladas anuais, viu-se reduzido a um papel secundário no comércio internacional. Esta "guerra quente" preparou, contudo, o terreno para um novo tipo de conflito: uma guerra económica e geopolítica, onde superpotências globais competiriam para transformar o corredor em peça central dos seus interesses estratégicos.
2002-2025: Renascimento e conflito - A nova guerra fria económica
O alvorecer do século XXI trouxe consigo a paz e, com ela, uma oportunidade de renascimento. A partir de 2002, vultuosos investimentos internacionais - liderados pela China, que injetou mais de 1,8 mil milhões USD - modernizaram o CFB e o Porto do Lobito. Pequim, com a sua estratégia da "Nova Rota da Seda", posicionou Angola como um elo vital na sua cadeia logística global. O corredor recuperou a sua função de espinha dorsal do comércio regional, tornando-se crucial para o transporte de 25% do cobre produzido no Catanga e na Zâmbia. Entretanto, os Estados Unidos, embora tenham entrado tarde no cenário, começaram a disputar influência sobre o corredor, acusando a China de perpetuar estruturas de dependência neocolonial através dos seus vultuosos investimentos. Este confronto geoestratégico converteu o corredor num verdadeiro tabuleiro de xadrez global, onde as agendas hegemónicas de superpotências colidem, evocando com intensidade renovada os ecos da Guerra Fria.
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