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Opinião

A inclusão social que não existe na África subsariana (análise com base nas informações do Human Development Report 2014)

ANÁLISE

Já em dois artigos neste semanário manifestei a minha preocupação pela fraca performance social da África subsariana (1 e 15 de Agosto do corrente ano).

Os indicadores sociais usualmente e internacionalmente usados para medir as alterações e melhorias na situação social dos países são pobres em África, revelando estar-se em presença de obstáculos não só difíceis de ultrapassar (a concentração da riqueza continua a aumentar) como de compreender e aceitar, face à (aparente) boa performance económica geral do subcontinente e de muitos países integrantes, como Nigéria, Moçambique, Gana, Serra Leoa (a mais elevada taxa média de crescimento anual do PIB no período 2008-2013), Ruanda, Etiópia, Zâmbia, Libéria e Tanzânia, todos eles com uma variação real média anual, no mesmo período, superior a 6,5%.

No geral, a África subsariana tem mostrado um padrão económico muito interessante correspondente a uma taxa média anual de variação do PIB, entre 1996 e 2013, de 4,3%. Que tipo de problemas emergem e que limitam a transformação do crescimento quantitativo em desenvolvimento qualitativo dos países e das populações?

A preocupação trazida neste artigo está relacionada com a inclusão social em alguns países africanos (escolhi 32 subsarianos) como indicador de referência da transmissão dos efeitos económicos do crescimento sobre o progresso social dos países e populações. Salvo raríssimas excepções, a inclusão social não existe em África, sendo, portanto, compreensível a situação de extrema vulnerabilidade das populações africanas, sem capacidade de resposta face a catástrofes humanitárias representadas por doenças - como agora o ébola - porventura evitáveis em condições de normais desenvolvimentos sanitários, adequadas remunerações, emprego elevado e sustentável e reduzidas taxas de pobreza.

Os indicadores internacionalmente utilizados para caracterizar a inclusão social são a vulnerabilidade do emprego, a taxa de desemprego geral, a taxa de desemprego juvenil, o trabalho infantil, a taxa de pobreza entre a população empregada - sabe-se que a pobreza não concerne apenas à população em geral cujas despesas médias diárias estejam abaixo de 1,25 USD em PPC, mas também aos empregados que, por falta de qualificações, aprendizagem e educação, não conseguem remunerações superiores a 2 USD por dia, em PPC, o que coloca a taxa global de pobreza muito acima dos padrões usualmente considerados para caracterizar este indesejável fenómeno social - e a taxa geral de emprego.

As definições são conhecidas para cada um destes atributos e, quanto mais baixos forem os respectivos valores, maior será a inclusão social (excepção para a taxa global de emprego). Uma constatação geral deste estudo - efectuado na base das informações do Human Development Report 2014 das Nações Unidas - é a de que, quanto mais baixo o valor do IDH, menor é a inclusão social nestes países. As interessantes taxas de crescimento do PIB não têm sido suficientes para reduzir a exclusão social da maior parte das suas populações, havendo até situações de agravamento.

Quanto à vulnerabilidade do emprego - não garantia de trabalho, flexibilidade imprevisível do mercado de trabalho, despedimentos sucessivos, auto-emprego, etc., ou seja, situações tão do agrado dos modelos e estratégias neoliberais e que Angola, por exemplo, se apresta a aplicar -, os países subsarianos campeões são: Gabão, Gana, Congo, Zâmbia, Tanzânia, Libéria, Mali, Moçambique e Níger, cujas taxas de vulnerabilidade variam entre 53% e 88% da população empregada.

Exactamente um ambiente do mercado de trabalho do agrado das doutrinas mais liberais e defensoras dos despedimentos em nome de uma suposta maior capacidade da economia para criar empregos e de incremento da competitividade. Os mais inclusos deste ponto de vista são as Maurícias, a África do Sul e a Namíbia, com taxas de vulnerabilidade entre 10% (África do Sul) e 32% para a Namíbia. Angola, tal como alguns outros subsarianos, não apresenta dados estatísticos que internacionalmente sejam aceites para quantificar esta característica social.

No referente ao desemprego jovem - uma autêntica maldição económica e social, retirando perspectivas e reduzindo expectativas de desenvolvimento dos países e significando um dos maiores desperdícios dos investimentos em educação -, a situação na África subsariana é de evidente exclusão, com uma taxa média de desemprego jovem da ordem de 35%, embora a maior parte dos países não a forneça às instituições internacionais (caso de Angola também).

Dentro da amostra escolhida, são a África do Sul (51,5%) e o Lesoto (34,4%) que subscrevem as taxas mais elevadas. A delinquência, a marginalidade e os caminhos da droga acabam quase sempre por ser as saídas para estes jovens desempregados e frustados por não lhes serem reconhecidos os direitos básicos de participarem no esforço e na aventura do crescimento e do progresso.

A taxa geral de desemprego tem sido sempre bastante elevada na África subsariana. No entanto, registam-se casos de inclusão social neste domínio, em que a taxa de desemprego é baixa, como nas Maurícias (8,1%), Gana (5,3%), Madagáscar (3,8%), Zimbabué (5,4%), Tanzânia (4,3%), Libéria (3,7%) e Mali (7,3%). Nos restantes casos, a taxa geral de desemprego é em média superior a 25% (uma vez mais Angola está ausente desta importante estatística).

O trabalho infantil é uma chaga social indesejável em qualquer país. E só nas situações de desigualdades sociais e económicas profundas e de pobreza estrutural é que as crianças são obrigadas a trabalhar para acrescentarem rendimentos aos parcos proveitos familiares. São conhecidos os estudos e os pronunciamentos da UNICEF sobre o trabalho infantil, e na África subsariana a maior parte dos países pratica-o.

Os países onde esta exclusão social é maior são: Angola (23,5%), Gana (33,9%), Congo (24,7%), Zâmbia (40,6%), Guiné Equatorial (27,8%), Camarões (41,7%), Nigéria (24,7%), Lesoto (29,9%), Uganda (25,4%), Costa do Marfim (26%), Gâmbia (19,2%), Etiópia (27,4%), Benim (45,6%), Níger (42,8%), Moçambique (22,2%), Libéria (20,8%), Maláuii (25,7%), Libéria (20,8%), Mali (21,4%), Guiné-Bissau (38%) e Quénia (25,9%).

Como referi há algumas linhas atrás, a pobreza no seio da população empregada é um fenómeno relativamente recente e relacionado com a exagerada liberalização dos mercados de emprego e uma das características das estratégias de melhoramento da competitividade das economias mais capitalistas do planeta.

Começa a ser um dos fenómenos mais marcantes dos países com dificuldades na sustentabilidade dos défices e das dívidas públicas. As tentativas para se recuperarem os equilíbrios dos fundamentais macroeconómicos e promover o crescimento das economias têm passado pelo empobrecimento do emprego.

Apesar de estas dificuldades não afectarem os países africanos em análise, existe pobreza entre quem trabalha nos seguintes países africanos ao sul do Sara: África do Sul (19,7%), Gana (48,3%), Congo (72,9%), Zâmbia (76,1%), Guiné Equatorial (14%), Nigéria (79,2%), Madagáscar (88,1%), Zimbabué (87,1%), Tanzânia (84,7%), Lesoto (51,2%), Senegal (61,1%), Uganda (61,7%), Benim (71,3%), Togo (66,7%), Etiópia (73,1%), Maláui (89,3%), Libéria (94,4%), Mali (77,7%), Moçambique (81,1%), Níger (98%), etc.

Os restantes países não mencionados mostram situações muito similares às apontadas, podendo concluir-se que na África subsariana a pobreza dos empregados é muito elevada, sendo fundamental os governos africanos definirem e imporem políticas salariais que, evidentemente levando em conta os ganhos de produtividade, melhorem substancialmente as remunerações da força de trabalho. Há outros indicadores de inclusão/exclusão/cidadania social. Voltarei um dia a eles.

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