Garantia pessoal (aval)
A actividade de receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria mediante concessão de crédito, é uma actividade exclusiva das instituições financeiras bancárias - IFB (artigo 7.º da Lei n.º 13/05, de 30 de Setembro - Lei das Instituições Financeiras).
Por isso, é dever das IFB, antes da concessão de qualquer crédito, analisar a capacidade de pagamento do cliente, o seu histórico bancário quanto a créditos anteriores, a situação cadastral (Central de Informação e Risco de Crédito - CIRC) e a capacidade de gerar receitas para cumprir os seus compromissos financeiros, entre outros factores.
Para além disso, as IFB também solicitam garantias suplementares aos requerentes de crédito, na maior parte dos empréstimos, com o intuito de salvaguardar a respectiva posição em caso de uma eventual perda da capacidade de pagamento do devedor.
As garantias solicitadas variam em função da característica do empréstimo, designadamente quanto ao prazo, valor, taxa e forma de pagamento. Esse procedimento, aliado a outros, cria mecanismos de protecção de liquidez da instituição que, assim, trabalha muito alavancada - com recursos de clientes e outros mecanismos de geração de liquidez, uma vez que os recursos próprios, só por si, não seriam suficientes para se atender as necessidades de crédito dos clientes.
A grande questão surge no âmbito de determinadas garantias que, a nosso ver, devem ser criteriosamente analisadas antes de serem aceites pelas IFB. Citamos, a título de exemplo, o aval dado por terceiro em livrança em branco, subscrita pelo devedor.
O aval consiste numa garantia pessoal e é privativo das obrigações cartulares, mais precisamente das que decorrem de letras e livranças. Pelo aval, o avalista (concedente do aval) assume o compromisso de cumprir a obrigação ínsita no título de crédito, total ou parcialmente, caso o avalizado não cumpra a sua obrigação, ou seja, o avalista garante o pagamento da quantia em dívida no caso de o devedor não cumprir a sua obrigação (artigo 32.º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças - LULL). O aval pode ser dado por terceiro ou mesmo por signatário de uma letra ou livrança (artigos 30.º e 75.º da LULL.).
No que respeita à forma, o aval tem de ser dado por escrito na própria letra ou livrança, ou numa folha anexa, e exprime-se pela fórmula "bom para aval" sendo assinado pelo dador do aval (artigo 31.º da LULL.).
O avalista responde solidariamente com o avalizado, com o seu património, nomeadamente com activos que detenha em conta, com móveis e imóveis. De realçar que, quanto aos avalistas, alguns aspectos poderão ser melhorados, considerando que, muitas vezes, são estrangeiros (portanto, não residentes), e que frequentemente um único avalista é o garante de diversos financiamentos nos vários bancos no mercado, sendo que, também muitas vezes, o avalista é, ele próprio, devedor principal de financiamentos em que o seu património já se encontra onerado.
Assim, tratando-se de avalistas estrangeiros, pessoas singulares, e prima facie, não têm património no País e desconhece-se o património existente no país de origem, perante o incumprimento do devedor dos compromissos assumidos junto de uma IFB, e havendo necessidade de executar o património do avalista, nos termos legalmente previstos, com a finalidade de recuperar a quantia em dívida, não existe salvaguarda da garantia, enquanto tal, por desconhecimento do património do avalista no estrangeiro, ou, conhecendo-se e feita a avaliação do mencionado património no estrangeiro, apesar de improvável, teremos de convocar as normas de direito internacional privado.
Em relação aos avalistas que garantem diversos financiamentos, havendo vários devedores em situação de mora e sendo necessário executar o património daqueles, cremos que se corre o risco sério de insuficiência do respectivo património face ao montante garantido através dos diversos compromissos assumidos. Por esse motivo, em nossa opinião, deve ser dada preferência ao aval dado por cidadãos nacionais.
No que respeita às livranças em branco, sobretudo as que são avalizadas por estrangeiros, é necessário efectuar-se uma análise mais rigorosa, criteriosa e exaustiva em relação ao património que aqueles detenham no País.
Já no caso dos avalistas que asseguram diversos financiamentos em vários bancos do mercado, com o mesmo acervo de bens, afigura-se necessário que o regulador, com vista a mitigar os efeitos dali decorrentes, crie um registo, porventura idêntico à CIRC, para o que sugerimos a denominação controlo e registo das garantias de crédito e dos respectivos garantes com o intuito de garantir a análise e o controlo da taxa de esforço do avalista, bem como do seu limite, de forma a permitir avaliar, em cada momento, qual o património que ainda é susceptível de garantir determinado financiamento.
Deste modo, é possível reduzir o risco de crédito, caso o avalista já seja, ele próprio, devedor junto de IFB, e evita que o mesmo possa vir a onerar o património que não se encontre desonerado. Importa ainda chamar a atenção das IFB para que, previamente à concessão do aval pelo garante, saibam a situação pessoal do garante, nomeadamente o seu estado civil e regime de bens quando casado.
Este aspecto revela-se particularmente importante porque, de acordo com o Código da Família (CF), os bens imóveis, próprios ou comuns e o estabelecimento comercial, considerados de especial relevância para a economia familiar, só podem ser alienados ou onerados com acordo de ambos os cônjuges, salvo se vigorar entre eles o regime da separação de bens (cfr. artigo 56.º/3 do CF).
É que, de acordo com a lei, mesmo que se trate de bens próprios dos cônjuges, os rendimentos ou frutos por eles produzidos (e.g. salário) são considerados bens comuns (cfr. artigo 51.º/1 do CF), para além de que os bens próprios de cada cônjuge respondem, em última instância, pelas dívidas comuns. Daí o interesse e a necessidade de intervenção de ambos os cônjuges na alienação ou oneração desses bens.
De realçar que, caso não se observe o regime legal acima referido, o cônjuge que não deu a sua anuência poderá, mediante requerimento, no prazo de um ano a partir da data em que tomou conhecimento do acto, requerer a anulação do acto pelo qual certo bem foi dado em garantia (cfr. artigo 60.º do CF).
Concluímos, assim, que a adopção de diligências reforçadas para o controlo das garantidas de crédito permitirá uma melhor avaliação do risco e, consequentemente, o reforço das garantias dadas no mercado bancário, e só assim a posição das IFB poderá ficar salvaguardada, beneficiando necessariamente a solidez e a estabilidade do sistema bancário nacional, designadamente quanto aos aspectos supramencionados sempre e quando se verifique o incumprimento pelo devedor e as IFB tenham necessidade de executar o património do(s) avalista(s).
Rosa Mangovo, Mestre em Direito Civil e Empresarial