O sofrimento finca no peito uma dor que sangra
Os nossos problemas não são apenas económicos, no sentido da falta de recursos: são também éticos, de probidade e de educação. Mas são, fundamentalmente também, políticos e de organização do Estado. Existem desafios significativos de ética e de probidade.
Estamos a progredir para uma catástrofe. A insistência de alguns cidadãos em desmantelar a Administração Pública dão-nos indícios de que estamos à beira do abismo. As notícias deste início de ano não são alentadoras. O Serviço de Investigação Criminal (SIC) constantemente traz a público informações desagradáveis dos que tendem a ferir o Estado de morte.
Nestes primeiros meses do ano, o SIC desmantelou, em pouco tempo, vários estaleiros de mafias de mineração de criptomoedas. Mas o SIC ainda foi mais longe. Desarticulou também uma rede de supostos mafiosos na Administração Geral Tributária (AGT). O órgão alega estarem envolvidos em esquemas fraudulentos do desvio de 7,3 milhões de euros. É, de facto, muita massa roubada. Agora, seguem outras diligências. Talvez um dia saibamos que são esses mesmos mafiosos que estão por detrás das vendas colossais de moeda estrangeira no Mártires de Kifangondo.
Por enquanto, dói saber que há angolanos a viver no luxo, com a miséria de outros. O Inquérito de Bem-Estar à População (IBEP) do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2010, revelou que 36,6% da população angolana vivia de fome e encontrava-se a viver em condições de pobreza. Como não temos novos dados, suponho que hoje existam muitos mais. Ou seja, talvez em 2025, cerca de 20 milhões de angolanos estejam a passar fome, a primeira consequência dramática da pobreza. Basta olharmos à nossa volta.
Essa gente irracional que rouba ao Estado, o nosso dinheiro, que já beneficiou, num passado recente dos privilégios usufruídos pelos país, não se importa com o país real. Não se importa com os milhares de angolanos que vivem essa catástrofe social. Eles estão nem aí, com essa massa de desgraçados da injustiça social.
Esquecem-se até que a maioria são crianças que, para além de outros milhares de angolanos em insegurança alimentar, vivem dificuldades de acesso a água potável, a energia eléctrica, sem falar dos problemas da educação e da saúde. Esta gangue está a destruir o nosso país.
Podemos lavar a cara e reconhecer até que a injustiça social é um mal crónico do capitalismo. Mas o facto é que todo esse drama simplesmente pode ser minimizado e evitado. Não é necessário tanto sofrimento.
Os nossos problemas não são apenas económicos, no sentido da falta de recursos: são também éticos, de probidade e de educação. Mas são, fundamentalmente também, políticos e de organização do Estado. Existem desafios significativos de ética e de probidade.
No momento do combate à corrupção e ao nepotismo, marcado por denúncias de desvio de recursos públicos, é imperativo que os servidores públicos se comprometam com princípios éticos e morais.
Não se pode compreender tamanha irresponsabilidade, nem se pode depositar confiança sem fiscalização e auditoria. O dinheiro roubado mata angolanos, deixa gente em sofrimento. No actual contexto, quem claudica princípios deveria perder definitivamente o que tem de mais precioso, além da vida: a liberdade. Deveria ser erradiado para sempre do serviço público.
Porque, como disse a juíza brasileira Lúcia Glioche na sentença dos assassinos de Marielle Franco: "A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta...".
A fome é traumatizante. O sofrimento finca no peito uma dor que sangra todo o dia, uns dias mais, outros dias menos, mas todos os dias. Não se pode permitir que um pequeno grupo de indivíduos condicione a perspectiva de vida de milhões de angolanos. E que os angolanos se sintam frustrados porque aquilo por que lutaram contra o colonialismo e para o fim da guerra não corresponda às expectativas.