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Opinião

Para onde foi o dinheiro da China?

MILAGRE OU MIRAGEM?

A liderança não foi capaz de inculcar no resto da equipa a disciplina que um processo de transformação da estrutura da economia, baseado na produção, como se exigia. Os projectos foram executados, mas na ausência do devido acompanhamento, não deram o resultado esperado

Na semana passada foi destaque a visita que o novo ministro dos Negócios Estrangeiros (doravante MNE) da China fez ao nosso país que coincidiu com o 40.º aniversário das relações Angola - China. O MNE da China trouxe na bagagem 249 milhões USD para financiar o Projecto da Rede Nacional de Banda Larga. Este financiamento surge numa altura em que, segundo o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social(1), o Angosat-2 (projecto que custou cerca de 300 milhões USD ) já está pronto para fornecer serviços de comunicações, o que nos leva a questionar a pertinência do Governo aceitar este financiamento nesta altura.

O relacionamento entre a Angola e China tomou um outro rumo no princípio deste século XXI, quando a China se mostrou disponível para financiar o processo de reconstrução pós-guerra. O timing desta aproximação coincidiu com o boom do petróleo, i.e., um aumento da produção de petróleo em Angola quando os preços aumentaram igualmente nos mercados internacionais. Segundo investigadores da Universidade de Johns Hopkins nos Estados Unidos, em África, Angola foi o país que mais beneficiou dos empréstimos vindo da China totalizando cerca de 42.619 milhões de USD. Destaca-se o ano de 2016 (um ano pré-eleitoral), numa altura em que o preço do barril de petróleo começou a registar uma queda, saindo o barril de 112 USD em 2012 para 44 USD em 2016.

Os dados mostram que o grosso destas verbas, 10.000 milhões USD, serviu para recapitalizar a Sonangol e foi financiado pelo China Development Bank (CDB). Hoje sabemos que a Sonangol teve esta necessidade, também, devido à sua entrada em negócios que acabaram por se revelar prejudiciais para a empresa e, consequentemente, para Angola. Neste período, é assinalável o facto de a China ter disponibilizado fundos para dinamizar vários sectores da nossa economia.

Contudo, competia/compete sempre à parte angolana, i.e., ao Governo de Angola, indicar quais os sectores prioritários. Grande parte do financiamento da China foi para o sector mineiro, que no caso trata-se da Sonangol com sucessivos financiamentos do CDB, para além de 65 milhões USD do PLANAGEO. É importante esclarecer que o CDB é uma instituição comercial e não um banco de ajuda ao desenvolvimento como por ex., o BNDES do Brasil ou mesmo o Banco de Desenvolvimento de Angola. O financiamento disponibilizado por esta instituição chinesa resulta em juros à taxa de mercado.

Segundo a base de dados consultada, o CDB disponibilizou até 2019 cerca de 25.834 milhões USD e a Sonangol foi a principal beneficiária. Os gastos feitos em sectores importantes como o da energia (7 mil milhões USD), transportes (incluindo a reabilitação dos caminhos de ferro e de várias estradas), agricultura (incluindo o projecto Grandes Fazendas, que visava fomentar a produção de grãos, canais de irrigação como o de Caxito, Luena, Calueque bem como a aquisição de equipamento diverso) são igualmente relevantes.

Não podemos deixar de assinalar a ausência de financiamento para o sector da indústria. Este facto é bastante relevante já que a teoria económica mostra que a indústria em geral, mas muito particularmente a indústria transformadora está intimamente ligada à taxa de crescimento económico (Kal[1]dor, 1989). Angola precisa de desenvolver uma indústria transformadora que sustente, através da produção de, por ex., fertilizantes e equipamentos básicos, um rápido aumento da produtividade no sector da agricultura, ao mesmo tempo que absorve e transforma boa parte da produção agrícola.

A nossa pesquisa mostra que foram feitos investimentos em sectores que deveriam contribuir para a redução da petro-dependência. Todavia, isso não aconteceu. Por que razão?

A explicação que encontramos é que a liderança não foi capaz de inculcar no resto da equipa a disciplina que um processo de transformação da estrutura da economia, baseado na produção, exige. Consequentemente, os projectos foram executados, mas na ausência do devido acompanhamento, não deram o resultado esperado. Só assim se explica por exemplo o facto do projecto Grandes Fazendas ter sido um projecto chave na mão, mas mesmo assim fracassou. Vários quilómetros de estrada foram reabilitados, mas não tiveram a devida manutenção, ou o facto de terem sido construídos canais de irrigação, mas que hoje estão inoperantes.

Enfim, apesar de ter sido o país africano que mais beneficiou do financiamento da China, a liderança em Angola foi incapaz de capitalizar esta oportunidade e levar avante um processo sustentável de transformação da economia. Na legislatura passada grande parte desses investimentos continuou inoperante, aguardando pela sua privatização. No actual contexto global, caracterizado por um aumento dos preços dos bens alimentares, acreditamos ser este o momento de se colocar estas infraestruturas ao serviço da produção nacional.