Angola: Uma hermenêutica económica, 2014-2024
O colapso do Produto Interno Bruto, entrelaçado com a queda vertiginosa do Kwanza e uma inflação galopante, que atingiu estratosféricos 42%, expôs de forma crua as fendas de uma economia que, monocultural, jazia quase que exclusivamente à mercê do petróleo.
Nas profundezas insondáveis da economia angolana, o decénio de 2014 a 2024 ergue-se como um intricado mosaico de sonhos desfeitos e promessas que se esfumam no vento. Angola, outrora navegando sob a asa benevolente da abundância petrolífera, viu-se abruptamente sugada pelo redemoinho caprichoso do mercado global, onde os rigores do FMI e do Banco Mundial impuseram as suas garras implacáveis. Enleada numa dependência crónica do ouro negro, a nação atravessou uma borrasca impiedosa: os preços do petróleo, outrora aveludados a 110 dólares, despencaram, desmoronando-se para menos de 30 dólares por barril em Janeiro de 2016, desnudando as entranhas de uma economia ancorada na sua fragilidade estrutural.
O colapso do Produto Interno Bruto, entrelaçado com a queda vertiginosa do Kwanza e uma inflação galopante, que atingiu estratosféricos 42%, expôs de forma crua as fendas de uma economia que, monocultural, jazia quase que exclusivamente à mercê do petróleo. O PIB retraiu-se em -2,6%, enquanto as instituições financeiras internacionais implementavam uma cura de ferro: o acordo de 2018 com o FMI, que injectou 3,7 mil milhões de dólares na veia moribunda da economia angolana, trouxe consigo um pesado ónus. O povo, num silêncio estoico, suportou o jugo da austeridade: cortes violentos nos subsídios, uma avalanche de impostos e uma poda drástica nas despesas públicas. O desemprego, feroz, subiu para 31,8% em 2020, enquanto mais de 40% da população afundava nas águas turvas da pobreza extrema, sobrevivendo com menos de 1,90 dólares por dia. Este foi o alto preço pago por uma ilusória estabilidade financeira.
ANGOLA: Os ventos e os humores do mercado global (2014-2024)
O declínio do ouro negro arrastou consigo o sonho de uma nação. A produção petrolífera escorreu de 1,8 para 1,3 milhões de barris diários entre 2014 e 2020, e as promessas de diversificação económica estatelaram-se contra o muro da inércia. O PIB, num baque profundo, contraiu-se -5,2% em 2020, traduzindo a incapacidade de Angola em romper os grilhões da sua dependência petrolífera. As reservas cambiais, encurtadas para um parco montante de 12,7 mil milhões de dólares, reflectiam o peso esmagador da crise, e o investimento estrangeiro, essa tábua de salvação há muito ansiada, permaneceu esquivo, como uma miragem no deserto.
Os ventos da economia angolana foram ditados pelos humores do mercado global de petróleo, cujas oscilações erráticas semearam um crescimento inconstante, deixando a nação acorrentada por níveis abissais de pobreza e desigualdade. Todavia, nos últimos cinco anos, reformas corajosas redinamizaram a gestão macroeconómica e o sector público. A estabilidade foi reforçada por uma maior flexibilidade cambial, a autonomia do banco central e políticas fiscais rigorosas, instigando uma tímida recuperação.
Em 2023, o crescimento económico emergiu, anémico, a 0,8%. A produção petrolífera foi um vislumbre de expectativa frustrada, prejudicada por uma manutenção prolongada no primeiro semestre. As exportações de petróleo minguaram, e o pesado fardo do serviço da dívida continuou a estrangular a oferta de moeda estrangeira, alimentando uma vertiginosa desvalorização cambial de 40% entre Maio e Junho. O sector não-petrolífero arrefeceu, vitimado por este choque, enquanto os custos dos insumos essenciais se inflacionavam rapidamente. O preço da gasolina, como um relâmpago cortante, aumentou abruptamente, empurrando o governo a cortar noutras áreas essenciais da despesa.
A depreciação do kwanza, ao lado da escalada nos preços dos combustíveis, inflamou as pressões inflacionistas. Em Fevereiro de 2024, a inflação homóloga disparou para 24%, contrastando com os 11,5% de um ano anterior. O Banco Nacional de Angola respondeu com um severo aumento na taxa de juro de referência, ajustando-a para 19% em Março. Com 80% da dívida pública denominada em moeda estrangeira, a depreciação cambial empurrou a relação dívida/PIB para um ameaçador 87% em 2023.
Os desafios persistem. A economia angolana, amarrada pela sua dependência petrolífera, enfrenta um caminho tortuoso de recuperação. A comparação com os Emirados Árabes Unidos é inevitável. Enquanto Dubai soube converter o seu ouro negro num império diversificado, Angola luta para se libertar do jugo de uma estrutura económica desequilibrada. A lição é clara: sem uma verdadeira diversificação, Angola não encontrará um futuro de prosperidade. A nação necessita de infraestruturas sólidas, reformas institucionais profundas e uma visão focada na sustentabilidade e inovação.
A relação entre Angola e os Estados Unidos, uma dança de altos e baixos, também se encontra num momento crucial. O petróleo, outrora pilar dessa ligação, foi eclipsado pela revolução do xisto nos EUA. No entanto, gigantes como a Chevron e a ExxonMobil continuam a investir no país, mantendo Angola como um destino privilegiado. O financiamento do Caminho de Ferro de Lobito, que liga o interior angolano aos mercados regionais, promete revitalizar o comércio e gerar milhares de empregos, oferecendo uma lufada de ar fresco a uma economia sufocada.
Leia o artigo integral na edição 796 do Expansão, de sexta-feira, dia 04 de Outubro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)