Compreender a Angola de amanhã... hoje: o problema das escolhas públicas (II parte)
A afectação de um determinado montante de dinheiro do Estado - dinheiro da Nação e, portanto, dos cidadãos - à satisfação de uma qualquer ordem de preferências colectivas depende de quanto a população já possua (de quanto a população consuma) de cada um dos bens públicos aí considerados. E neste domínio parece que o consumo social de defesa está muito próximo da saturação, enquanto os consumos sociais de educação, saúde e cultura se apresentam com "quantus" muito reduzidos.
A escassez, absoluta ou relativa, de recursos financeiros - muitas vezes apontada como um critério para o estabelecimento de prioridades nos gastos públicos - não responde à questão sobre o que fundamenta considerar-se, por exemplo, a educação mais importante do que a saúde. Um critério mais aceitável poderia ser o da quantidade de consumo social desse bem público em particular.
Justamente no contexto da teoria das escolhas públicas, a utilidade total e a utilidade marginal de um determinado bem público devem ser critérios a utilizar para se quantificarem os recursos financeiros a atribuir à sua satisfação colectiva. A afectação de um determinado montante de dinheiro do Estado - dinheiro da Nação e, portanto, dos cidadãos - à satisfação de uma qualquer ordem de preferências colectivas depende de quanto a população já possua (de quanto a população consuma) de cada um dos bens públicos aí considerados. E neste domínio parece que o consumo social de defesa está muito próximo da saturação, enquanto os consumos sociais de educação, saúde e cultura se apresentam com "quantus" muito reduzidos.
Seguramente que a defesa tem a sua utilidade social. No entanto, esta só é maximizável num contexto em que outras necessidades sociais sejam consideradas com uma importância relativa semelhante. Com efeito, a defesa não é um factor directo de desenvolvimento económico, porque dilacera recursos materiais e humanos que são fundamentais para o progresso social. Em Angola a guerra tem sido um poderoso factor de destruição, e nem mesmo de um ponto de vista indirecto - dinamização da actividade produtiva interna, substituição de importações, desenvolvimento de métodos de organização poupadores de recursos financeiros e disciplinadores do uso dos disponibilizados, construção/reabilitação de infraestruturas económicas, etc. - a mesma tem servido para se mitigarem os seus efeitos mais nefastos. Os "stock"s" de capital humano, físico e social é que são os verdadeiros e únicos factores de desenvolvimento e sem eles não será possível, por exemplo, encetar qualquer processo sério e sustentado de reversão da pobreza no país.
Quais são os actuais níveis de consumo social daqueles bens públicos? Este "quantum" pode ser estabelecido por duas vias, a saber, a percentagem das despesas públicas em relação ao Produto Interno Bruto e a sua capitação. O quadro seguinte espelha a realidade no país:
A escala de preferências do Governo é clara ao longo do período retratado no quadro anterior. Genericamente tem-se, DEFESA ØEDUCAÇÃO ØSAÚDE ØCULTURA (que se deve ler: defesa é prioritária em relação à educação, esta em relação à saúde e todas elas valem mais do que a cultura)
Será que este ciclo - sempre mais do mesmo e cada vez menos do resto - se vai manter no futuro? Qual a real utilidade social da defesa? Os valores do quadro anterior expressam que o consumo social de defesa esteve sempre entre 21 vezes e 3 vezes mais do que o consumo social de educação e entre 16 e 6 vezes mais do que o consumo social de saúde. Manifestamente que a educação e a saúde ocuparam sempre um lugar secundário na escala de preferências do Governo, onde sempre pontificou a defesa.
Mas o consumo social de defesa tem sido efectivo, real? Ou seja, não teria sido possível a mesma eficácia militar com menos recursos financeiros do Estado? A classe castrense é, genericamente, considerada como disciplinada e disciplinadora, organizada e organizadora, praticando códigos rígidos de conduta profissional. Aliás, tem sido entre a organização militar que métodos como o OBZ, o PERT, o PPBS, etc., foram inventados e desenvolvidos e posteriormente absorvidos pelas Administrações Públicas e pelo sector privado. Assim sendo, a probabilidade de o consumo social de defesa não ter sido o efectivo pode ser considerada de elevada.
Por outro lado e ainda recorrendo ao quadro anterior, é, também, claro que os consumos sociais médios de educação e saúde são exíguos e incompatíveis com quaisquer propósitos de crescimento económico sustentado e de redução da pobreza
Leia o artigo integral na edição 741 do Expansão, de sexta-feira, dia 08 de Setembro de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)