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Opinião

Uma solução inovadora para um problema milenar

IDEIAS & VISÕES

A situação da seca no Sul de Angola parece ter os dias contados. Com os investimentos, em curso, inseridos no Plano de Acção do Sector de Energia e Águas 2018-2022 do Executivo, a situação das secas sazonais, no sul de Angola, será minimizada.

A construção do Transvase a partir do Rio Cunene, na localidade do Cafu, para as localidades de Cuamato, Namacunde e Ndombondola, cuja primeira fase foi recentemente lançada pelo Presidente João Lourenço, insere-se na Estratégica de Desenvolvimento do Governo que visa combater a seca não apenas no Cunene, mas também em outras províncias, como o Cuanza Sul e o Namibe, para promover o desenvolvimento das comunidades locais, fundamentalmente as rurais.

O projecto tem um grande valor económico e social. É, também, uma infra-estrutura de valor histórico para as comunidades rurais, cuja vida depende, literalmente, da água para a sobrevivência. Para o país esgotam-se as lamúrias e a velha consciência de ajudas paliativas aos afectados. Mas o canal do CAFU tem uma relevância maior. Ele está situado na província do Cunene, numa região da África Austral habitualmente "traiçoeira", afectada por períodos de secas severas, junto à Bacia do Cuvelai, que se estende ao deserto do Kalahari.

Um estudo da Development Workshop (DW-Angola), sobre a Bacia do Cuvelai, revelou que, de 1819 a 2015, ela vem sofrendo secas consecutivas. Neste período, tiveram lugar 18 eventos de estiagem que duraram em média três anos. Especialistas sugerem que outros eventos possam ter ocorrido. A Bacia tem a sua maior parte na província do Cunene, mas inclui as províncias da Huíla e Cuando-Cubango. Aqui, a frequência e a gravidade entre a escassez de água e cheias variam muito, não só de ano para ano, mas também de uma parte da Bacia para outra, e de um mês ao outro.

A severidade da seca é de tal monta que quem, como eu viveu durante o período colonial nas então cidades de Serpa Pinto (Menongue - Cuando Cubango) ou Silva Porto (Cuito - Bié), assistiu, seguramente, às caravanas de homens conduzindo intermináveis manadas de gado bovino, que, em dias seguidos e durante semanas, atravessavam aqueles territórios em direcção ao Leste em busca de pasto. Eram, na verdade, sinais dos efeitos devastadores da seca no sul de Angola, em direcção à enorme rede de chanas do Leste, abundantes em água e pasto, durante todo o ano.

É aí que a maioria dos transumantes ia à busca de sobrevivência do gado, fugindo da estiagem no Sul. Uma situação difícil sobre a qual nunca uma autoridade colonial se havia pronunciado, mesmo quando, no final da década de 60, se projectou a construção do famoso Canal da Matala para permitir o povoamento branco do sul.

O canal do CAFU, e todas as suas futuras bifurcações e valências colaterais, traz assim uma solução nova e inovadora, definitiva, para resolver um velho problema, talvez milenar, que ao longo do tempo não só dizimou o gado, principal riqueza das comunidades locais, mas também pessoas, lesando, profundamente, as perspectivas do desenvolvimento e a dignidade dos habitantes.

O CAFU vai atender à necessidade de um desenvolvimento económico mais acelerado e a urgência da eliminação do sofrimento humano e a redução das desigualdades sociais. Nesse contexto, Angola dá mais um passo, repensando radicalmente a sua estratégia de desenvolvimento, tendo clara a sua localização geográfica e a sua posição na África Austral. A construção deste caminho alternativo, sustentável, supõe a existência de uma consciência de poder para o povo, suficientemente forte. Porque o cuidado com as pessoas é uma responsabilidade do poder público e não apenas das famílias e das comunidades.

Embora tarde, o projecto chegou em boa hora, pois o Executivo soube ler os sinais do tempo, analisar e repensar o modelo de alívio à desgraça que perdura há séculos. João Lourenço encerra assim o seu primeiro mandato com uma clara afirmação política e construção discursiva mostrando capacidade de passar da palavra à acção