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Kurah: o primeiro restaurante de autor em Angola, by Ricardo Helton

Chefe preocupado com desinvestimento nos produtos nacionais

Abriu em Junho, cheira a novo, o primeiro restaurante de assinatura em Angola, pautado pela fusão de produtos frescos, desde carne, peixes e legumes com toque minimalista angolano, ao tortulho, ao óleo de palma e à kitaba.

Este é o Kurah, que materializa um sonho de 20 anos, - ainda Ricardo Helton era um estudante de cozinha em Paris -, de criar um restaurante de autor em Angola, que ganhou corpo em 2020, ano de pandemia, quando o projecto em que trabalhava teve que despedir pessoas.

Assim que em Angola as restrições para controlar o proliferar da pandemia determinaram o encerramento da restauração, Ricardo começou a trabalhar num projecto seu, partindo do princípio "que as pessoas iam deixar de frequentar restaurantes, mas não iam deixar de comer".

Confessa que nunca trabalhou tanto em 20 anos, "nunca ganhamos tanto dinheiro, trabalhando arduamente, em sistemas take-away",mas dentro do conceito de fine dining. Teve que ler e aprender sobre aspectos que desconhecia, como dividir molhos, carnes premium, guarnições, e o maior desafio para ele até hoje, que foi saber como "chegar com a comida quente na casa do cliente", parece banal, mas é exigente, segundo o especialista.

Admite que foi um "sucesso", conseguiu contratos com petrolíferas e serviços de catering para diversas instalações.

Se correu bem neste segmento Ricardo Helton quis brindar equipa e clientes com um projecto de qualidade, com assinatura, com base na experiência de duas décadas, que começaram em Paris e que depois de passagens por diversos restaurantes confluiu na empresa de catering que criou em 2015, a 'Unic by Chefes', que continua no segmento de catering para empresas.

Kurah (foco/determinação) vezes quatro

O projecto está dividido em 4 áreas: Kurah, restaurante de assinatura; um bar lounge de dia, onde se bebe um copo e come um petisco; o Garden, casa de chá com padaria e pastelaria francesa e, num futuro próximo um boutique/hotel, com 4 quartos, com decoração temática inspirada em traços culturais dos continentes de África, Europa, Ásia e Médio Oriente. Os futuros hóspedes vão desfrutar, em experiência fechada, dos ccktails do lounge de dia, da comida do kurah e da padaria do Garden.

Com rigor matemático Ricardo Helton contabilizou os dois meses e 20 dias que demorou a montar todo o projecto, o que prova, diz, "que podemos ser melhores e que sabemos fazer".

Partindo da expressão budista "Kurah", de "foco, determinação e amor ao trabalho", trabalhou sem folgas, ele e a equipa, para cumprir datas de abertura do restaurante, como chamam os franceses "de toalha branca".

"Foi o maior desafio da minha carreira, da minha equipa", admite o autor do projecto.

Angolanidade à mesa no projecto de autor

O próximo desafio do Kurah é um menu de fim-de-semana baseado no África roads típico. O kurah terá pratos típicos ao almoço de sábado, com aposta numa boa carta de vinhos, essencialmente portugueses.

Mas a maior novidade será a possibilidade de fazer ao sábado a "sentada familiar" não em casa mas no Kurah.

"Nunca ninguém esperou que o chef Ricardo Helton batesse um funge ao sábado", admite o próprio, que quer ver os clientes "fazer do Kurah o seu quintal", não será "funge gourmet, mas terá traços de chefe", com "boa fusão", diz quem sabe.

O ambiente será de restaurante de autor, com requinte, sem fugir aos pormenores da cultura gastronómica angolana, com apontamentos específicos, "com panelas próprias".

Ricardo Helton é resultado de três referências específicas na cozinha: a angolana, porque o é; a portuguesa, com que mais se identifica, e a francesa, onde aprendeu e tem as bases.

"Nunca farei um cozido à portuguesa que não coza o arroz na água dos enchidos. Eu nunca vou fazer bacalhau à lagareiro se eu não tiver um bom azeite e no final uns coentros para as ameijoas" atesta Ricardo Helton.

E anuncia novas fusões, como "um croquete de carne seca, uma empada de muamba de galinha em vez do recheio tradicional, um rissol de peixe seco em vez de camarão".

O Kurah não é o restaurante de um chefe de cozinha mas um restaurante de chefes. São dois, além de Ricardo há também o Celestino. No futuro deverá aceder à cozinha do Kurah mais um chefe angolano de renome.

A visão do empresário Ricardo Helton

O chefe funde emoção e desilusão quando refere os produtos típicos angolanos, enquanto traços de identidade.

A emoção com que fala da fuba, da ginguba, da mandioca e da batata doce descai para a desilusão quando nos supermercados constata os produtos de outros de países bem apresentados e com boa rotulagem e em relação aos produtos angolanos "só vejo branding na cerveja, todas as nossas cervejas estão com imagem maravilhosa", mas depois na prateleira ao lado "em sacos plástico com uma etiqueta, a fuba, a ginguba, a mandioca, batata doce e grande partes desses locais, ainda por cima, tem as prateleiras sujas, sem apresentação apelativa", diz.

Ricardo Helton recorda que qualquer cliente estrangeiro que gosta de elevar a bandeira gastronómica de Angola além fronteiras gostaria de levar na sua mala um saco de fuba de milho para poder fazer, por exemplo, polenta.

"Eu tenho que perceber que a nossa fuba de milho amarelo dá para fazer polenta que em Espanha é um dos maiores petiscos".

E mais "o mundo não sabe que Angola recriou uma forma de secar cogumelos, que chamamos tortulho, que foi uma das maiores invenções angolanas", ostenta orgulhoso.

Ricardo recorre à história do soba que não tinha forma de transportar cogumelos da sua aldeia para o centro da cidade, "ele fez o mesmo processo que nós fazemos com a carne seca, com o peixe seco", conta.

Na lista dos produtos que estimulam o chefe existe também "o tamarindo, a gajaja, o maboque, a mucua, a pitaia que precisam de ser elevados às prateleiras, da mesma forma como a gente leva os morangos, a pera, a maçã".

Helton quer proporcionar aos clientes cocktails destes produtos, que considera riquezas naturais "e que nós produzimos bem", ao mesmo tempo que lamenta que por falta de funcionamento da máquina produtiva e do branding alguns destes produtos só se encontram nos mercado tipicamente angolanos "onde ninguém fora os angolanos tem acesso, os expatriados, estrangeiros, não vão".

Outra proposta que Ricardo Helton quer implementar é a um espécie de "pica-pau" com peixe seco, a partir do meiandungo, um peixe seco que depois é demolhado em água quente, que o chefe depois desfaz em "lascas, servido com molho de cebolada".

Chegar aos 38 melhores

Há pouco mais de um ano a Organização Mundial do Turismo (OMT) lançou o apelo a Angola, através do gabinete do ministro da cultura, que pedisse a todos os chefes de cozinha angolanos os respectivos portfolios, acompanhados de uma receita contendo cinco produtos tipicamente angolanos, que deviam ser conhecidos no mundo. Mais de 20 chefes de cozinha corresponderam e o processo foi envido para a OMT.

Ricardo Helton ganhou um prémio entre os 38 melhores chefes de África e passou a constar do livro 'A Tour of African Gastronomy'. A estratégia passou pelo arrojo, em vez da esperada muamba de galinha, Helton decidiu promover os produtos angolanos inovando, com o risotto de tortulho.

"Mostrei que Angola é capaz de fazer um prato mundial com produtos conhecidos mundialmente, de uma forma típica angolana", acrescenta.

O orgulho do chefe afirma-se ainda assim ao desânimo do facto de Angola "não ter começado sequer a produzir matéria-prima para o mundo todo, quando dispõe de uma sabedoria ancestral", refere.

Sugere por isso que o Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente crie mecanismos para o acesso ao conhecimento dos locais, antes de trazer os turistas para cá. "A única forma de um guia mostrar de que produto se trata é ele ter acesso ao conhecimento, mas ao conhecimento científico e não ao do palato", ironiza o chefe, e prossegue na defesa: "porque ele pode provar um quiabo e dizer que nós produzimos quiabos, mas ele tem que dizer o que é que o quiabo faz na moamba de galinha".

O chefe autor do kurah considera, ainda assim, que a restauração angolana está no bom caminho e não sofre "nenhum défice", mas não partilha do pensamento "que não precisamos de expatriação, continuamos a precisar de know-how".

Uma ideia fundamentada na sua natural necessidade de aprender. "Se queres ser o melhor só podes trabalhar com os melhores", defende por isso a aposta na formação contínua, que ele próprio faz uma vez por ano ao candidatar-se a um estágio num restaurante de referência. "Quando chego a um estrela Michelin, reconheço que nós não sabemos nada, porque a forma de criar experiencia é única", argumenta.

Avançar para uma associação da restauração

Depois do restaurante, quando a casa estiver totalmente organizada, Ricardo Helton tem em mente criar uma associação representativa do sector da restauração.

"Temos que apostar na formação, padronizar um salário base. Isto é um começo que eu próprio vou começar a fazer", assegura.

Considera esta uma prioridade para 2022, de forma a estancar a evolução lenta da produção nacional, considerando que esta se encontra num "estadio de 10%", logo "inadmissível, a farinha de trigo é importada, a laranja também, compramos a quase 2.000 kz o quilo da laranja, da qual precisamos de meio quilo para fazer sumo. É impossível ao nível de taxas aduaneiras, dar melhor preço ao cliente final", confessa o empresário.

Helton considera que a restauração não deve esperar pelo Governo, "devemos ser nós próprios a fazer".

"O meu ministério é o da hotelaria. O meu ministério precisa de mim a dar suporte para as decisões que devem ser tomadas. O meu ministro tem muitas pastas para cumprir, ele não precisa dos conselheiros que tem no ministério", admite o chefe-empresário, que fez formação complementar em gestão, controlo de custos e finanças, para gerir um projecto do qual dependem 42 famílias.

Até ao final do ano, Helton estará focado no restaurante e em 2022 promete dedicar-se a fazer uma base com os fornecedores e produtores locais, criando uma plataforma onde todas as pessoas inscritas poderão ser reguladas pelo sistema tributário.

"Como é que um produtor a vender quiabos pode no final do mês pagar os 3%?". É esta informação que a futura associação poderá ajudar a responder.

O conhecimento e a sua aplicação ao sector é prioridade para o chefe que passou de "mero cozinheiro" a entendido em diversas áreas, "porque não posso ser leigo, tenho que ter conhecimento básico, caso contrário sou ultrapassado", remata.

Ticket médio:

Garden: 8.000 Kz/pessoa;

Kurah: 25.000 Kz/pessoa;

Lounge: 15 000/Kz por pessoa

Boutique-hotel: ainda sem valores orçados, devendo situar-se na média da hotelaria de Luanda.

Kurah | Garden | Lounge

Endereço | Condomínio Palanca Negra nº 28 Talatona. Luanda. Angola

Contactos:

244 940 838 220

https://www.facebook.com/kurahrestaurant/

Instagram: kurahrestaurant