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"Tive um irmão vítima da ditadura argentina, por isso trabalho no tema dos direitos humanos"

MARCELO BRODSKY

É artista plástico há mais de 30 anos e nas inúmeras viagens que fez parou em Angola, para uma residência artística. Ainda não tem trabalhos acabados, mas vai centrar-se no eixo sul-sul. Apela à valorização de intercâmbios culturais e económicos pelos aspectos em comum.

Está em Angola para participar numa residência artística. Fale-nos um pouco do projecto?

Estou cá a convite do Angola Air, um projecto que organiza residências artísticas e que traz artistas de fora para trabalhar com a realidade angolana. A proposta é sempre trabalhar sobre o que o País te propõe, e não sobre o trabalho já existente. A ideia é trabalhar em algo novo.

O que vai retratar sobre Angola?

Ainda não sei bem, mas estou a trabalhar na ideia sul-sul, pois Angola e a América do Sul estão frente a frente. Partilhamos o mar, o facto de sermos economias centrais, das que têm o poder económico mundial mas que estão nas margens. Acho interessante aproveitarmos o intercâmbio cultural. Não só o económico e o político, mas também o cultural.

A exposição vai ser só de fotografias?

Não. Vai ser fotografia, pintura, serigrafia, que é arte gráfica. Vai ter varias técnicas. Não é só fotografia, não.

Já trabalhou em realidades de outros países de África?

Já trabalhei muito na África do Sul, olhámos para o apartheid. Já fiz um livro de investigação sobre o genocídio alemão na Namíbia, sendo que eles assassinaram a maior parte dos povos hereros da Namíbia e muitos nama. Já trabalhei também no tema das independências das colónias portuguesas em África, e a exposição foi no Museu Berardo, em Lisboa. Trabalhei sobre Moçambique, Guiné-Bissau e Angola. As fotos de Angola são as de Carlos Guimarães.

Sobre os direitos humanos incidiu na América do Sul?

Não só na América do Sul. Olho para outros países, trabalhei agora sobre a Tailândia, por causa do golpe que houve em Mianmar e já fiz a Namíbia. Ou seja, começou pela América latina, mas agora olho para o mundo inteiro.

A morte do seu irmão despertou a atenção para os direitos humanos?

Sim, mas mais do que isso. A minha família e a minha experiência de vida foram muitos afectados por perder um irmão, que foi sequestrado e assassinado pela ditadura. Isto me levou a fazer um trabalho muito conhecido há 25 anos, onde sinalizo os meus colegas que também foram assassinados. Isso deixou as suas consequências... É uma obra emblemática dos buracos que a ditadura deixa na sociedade. Podia pensar também nos buracos que a guerra civil deixou na sociedade angolana. Há um tipo de experiência do que significa tragédia da guerra ou da ditadura, que Angola e Argentina viveram, de alguma maneira. Agora, o desafio do meu trabalho é saber como trabalhar por cima desta memória

Daí a fotografia, para preservar estas memórias?

Sim. A fotografia tem tudo a ver com memória. Hoje todo mundo tem um telemóvel, somos todos fotógrafos, de maneira que isto acompanha a nossa vida. Cada vez a imagem ou a linguagem visual é uma ferramenta central para comunicar. Sem imagem não tem interesse. Então, eu trabalho na construção de uma linuagem: imagem e texto. Sempre com a imagem como âncora para o pensamento.

Tem alguma imagem que o marcou nestes anos todos?

Levo mais de 30 anos como fotógrafo e fotografei tudo o que vivi, tudo que me rodeou. Qualquer coisa que vivi volto às fotografias para relembrar. Por exemplo, fiz um trabalho "correspondência visual", falamos através de imagens. Eu mandava uma foto e as outras 25 pessoas faziam o mesmo. Cada uma destas imagens era uma ideia. Cada imagem tem uma mensagem, um significado. Não consigo escolher.

O que já fotografou em Angola?

Muitas coisas. Já fotografei o Arquivo Nacional da Angola, fotografei muitos olhares. Fotografei um saquinho de álcool que a pessoa usa para ficar bêbado (The Best) que achei uma coisa pouco ética, porque faz muito mal à cabeça. Fotografei os mapas: de África e América conversando entre eles. Fotografei o Memorial Agostinho Neto. Foram várias coisas.

Além de artista, conta com o apoio do Estado argentino na sua acção de activista dos direitos humanos?

Sim, o Estado argentino ajuda. Por exemplo, nesta altura, o Estado está a ajudar-me, porque a embaixada recebeu-me. E para a Embaixada é um acto cultural muito importante que eu esteja aqui. A embaixada é um ponto importante de apoio para o meu trabalho aqui. Não é normal, nem sempre acontece. Mas nesta oportunidade a embaixada achou importante que um artista argentino comprometido com os direitos humanos esteja aqui.

(Leia o artigo integral na edição 696 do Expansão, de sexta-feira, dia 14 de Outubro de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)