Degradação da vida no meio rural piora indicadores de saúde, vacinação e nutrição infantil
Os sinais de pobreza entre os angolanos continuam a ser evidentes e são confirmados até pelas estatísticas oficiais. O combate à pobreza, que deveria ser uma das bandeiras do Governo, continua a ser marcado pela ineficácia, pelo fraco crescimento económico e pelo aumento exponencial da população nos últimos anos.
Embora exista uma retórica oficial que garante um combate sem tréguas às assimetrias regionais, ao mesmo tempo que defende que "a vida se faz nos municípios", os relatórios oficiais continuam a produzir indicadores que contradizem os discursos oficiais. Este é também o caso do Inquérito de Indicadores Múltiplos de Saúde (IIMS) 2023-2024, divulgado recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que mostra um retrocesso no acompanhamento especializado de mulheres grávidas, no número de crianças completamente vacinadas e um aumento dos casos de desnutrição crónica.
O estudo também assinala, pela enésima vez, que as dificuldades têm sido potenciadas pelas agruras da vida no meio rural, onde falta de tudo um pouco, sem que as políticas públicas sejam adequadas às necessidades locais.
No caso do acompanhamento especializado de saúde, o IIMS 2023-2024 registou uma diminuição de quatro pontos percentuais (de 81% para 77%) nas mulheres que receberam consultas pré-natais, em comparação com o IIMS 2015-2016, bem como uma redução de dois pontos percentuais (de 31% para 29%) no número de crianças completamente vacinadas. A tendência agrava-se com um aumento de dois pontos percentuais (de 38% para 40%) dos casos de desnutrição crónica nas crianças até 5 anos (ver infografia nas páginas seguintes) .
Esta realidade, já de si complicada e que deveria incitar à reflexão sobre a acção das instituições públicas, piora substancialmente quando são comparados os indicadores entre o meio rural e o meio urbano. No caso das mulheres que receberam cuidados pré-natais de profissionais qualificados, a diferença de cobertura chega aos 27 pontos percentuais (89,9% nas zonas urbanas contra 62,9 no meio rural).
"A pobreza tende a ser mais severa no meio rural porque o acesso a serviços essenciais é limitado (educação, saúde, saneamento básico, cobertura vacinal), assim como se regista um menor investimento público e privado. No fundo, as condições de vida e a mobilidade social são mais difíceis no contexto rural", explica Sérgio Calundungo, coordenador do Observatório Político e Social de Angola (OPSA).
A mesma tendência verifica-se na vacinação: enquanto 88,1% da população urbana recebeu a vacina BCG, apenas 45,3% dos habitantes rurais tiveram acesso à mesma vacina. Os valores são similares para outros tipos de vacinas, como são os casos da hepatite B (79,4% receberam a vacina no meio urbano, contra 32,0% no meio rural) ou da febre amarela (cobertura urbana de 61,7%, para apenas 22,2% em contexto rural).
"Essa desigualdade regional faz com que a incidência da pobreza seja maior nas zonas rurais em relação às zonas urbanas. Para piorar a situação, dentro de sociedades muito fechadas, como é o caso do nosso meio rural, alguns segmentos da população, sobretudo mulheres e crianças, acabam por ser mais prejudicados, porque detêm menos poder, tanto no seio familiar como no seio das comunidades, e menos capacidade de influenciar as decisões que se tomam", considera Sérgio Calundungo.
"São as mulheres e as crianças que acabam por pagar a maior parte da factura do subdesenvolvimento, da pobreza e da situação de negligência em que se encontram", assinala o coordenador do OPSA.
IRA e a evolução positiva
Em relação à Infecção Respiratória Aguda (IRA) que, juntamente com a febre e as doenças diarreicas agudas, é das causas que mais contribui para a mortalidade infantil em países em desenvolvimento, no caso de Angola, de acordo com o IIMS 2023- -2024, 65% das crianças menores de 5 anos apresentaram sintomas da doença, 61% apresentaram febre e 52% tiveram diarreia nas 2 semanas anteriores à realização do inquérito.
Entre as crianças menores de 5 anos com sintomas de IRA nas duas semanas anteriores ao inquérito, 69% do sexo masculino e 62% do feminino tiveram aconselhamento ou tratamento em uma unidade sanitária ou por um profissional de saúde. Os dados recolhidos do IIMS 2015-2016 e IIMS 2023-2024 mostram um aumento de 15 pontos percentuais em crianças menores de 5 anos com sintomas de infecção respiratória aguda que receberam aconselhamento ou tratamento em uma unidade sanitária ou por um profissional de saúde, naquela que é uma das evoluções positivas assinaladas pelo relatório produzido pelo INE.
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