INE com novos critérios "cria" mais de 818 mil empregos formais em apenas 6 meses
Quase todas as revisões do INE favorecem narrativas do Governo. À semelhança do que aconteceu com as Contas Nacionais, que suavizaram as recessões e potenciaram o crescimento económico numa década, agora há um novo "milagre", o da criação de emprego formal. Especialistas, mais uma vez, desconfiam.
Depois do "milagre" das Contas Nacionais, em que a actualização de metodologia do Instituto Nacional de Estatística (INE) no cálculo do Produto Interno Bruto provocou uma "revolução nos cálculos", levando a uma correcção que atribuiu mais 166,7 mil milhões USD ao acumulado do PIB da última década, e suavizando as recessões económicas entre 2016 e 2020, uma nova alteração a procedimentos está a gerar dúvidas a especialistas.
Agora, foi a utilização da nova estimativa da população residente no País, que resultou do Recenseamento Geral da População e Habitação 2024, para a realização do Inquérito ao Emprego relativo ao II e ao III trimestre deste ano. Mas ao que o Expansão apurou, os dados do emprego formal do INE estão hoje muito próximos daquilo que são os segurados, termo que se refere a pessoas singulares registadas na Segurança Social. Enquanto no I trimestre do ano o INE utilizou a base do Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH) 2014 e da Projecção da População para o período 2014-2050 para este inquérito por amostragem, nos relatórios relativos ao II e ao III trimestre mudou a base para os dados do RGPH 2024.
E se no relatório do I trimestre o número de angolanos com emprego formal encolheu 102.899 para um total de 2.460.831, nos dois trimestres seguintes os formalizados dispararam 818.365, divididos entre 309.062 no II trimestre e 509.303 no III.
Contas feitas, até Setembro deste ano, o número de empregos formais cresceu 28% face a Dezembro de 2024, equivalente a mais 715.466, passando de 2.563.730 para um total de 3.279.196. Valor muito próximo daqueles que o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) contabiliza como cidadãos segurados em Setembro deste ano: 3.241.104, em que 97% são trabalhadores por conta de outrem.
Apesar deste indicador - que evidencia que os trabalhadores formais existiam mas não estavam contabilizados pelo INE nos seus inquéritos por amostragem - o instituto de estatística tem coleccionado desconfiança junto de académicos e outros especialistas nos últimos anos, seja pelos inquéritos de conjuntura, pelos de emprego e também os índices de preços ao consumidor. A estes, junta-se agora o Censo 2024.
O inquérito ao emprego baseia-se, como qualquer inquérito, em amostras representativas da população. E, assim, o que o INE fez foi actualizar a sua base de amostra para a realização deste inquérito a partir do II trimestre tendo em conta os novos dados recolhidos no âmbito do Recenseamento Geral da População e Habitação 2024, vulgo Censo 2024. E se faz sentido alterar periodicamente a amostra inquirida, a qualidade dos resultados depende da qualidade da amostra, à semelhança do que acontece em todas as sondagens. E é aqui que é levantada outra questão: a margem de erro de cobertura líquida do Recenseamento Geral da População e Habitação de 2024 foi de 28,3%, o que significa que cerca de 10,4 milhões de angolanos ficaram por contabilizar, num universo populacional estimado em 36,6 milhões de habitantes.
O censo, principal instrumento para medir a população real de um país e produzir uma base exaustiva de indicadores essenciais para a definição de políticas sociais e económicas, ficou assim reduzido a uma mera estimativa, dada a fragilidade dos dados obtidos. Isto porque tudo o que seja acima dos 10% de exclusão da população é classificado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um mau censo.
Assim, a base da amostra que proporcionou a maior redução da taxa de desemprego desde o I trimestre de 2022, ao recuar 1,9 pontos percentuais para 26,9%, levanta dúvidas junto de vários especialistas nestas matérias. "É de desconfiar. O facto é que todas as revisões do INE favorecem a narrativa do Governo", admite um economista e professor académico, solicitando anonimato.
Leia o artigo integral na edição 855 do Expansão, sexta-feira, dia 05 de Dezembro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)











