MARÇO: Ajustes directos quase triplicaram e valem 99,7% dos contratos públicos
Dos pouco mais de 3,4 biliões contratados pelos órgãos do Estado apenas 12 mil milhões Kz, equivalentes a 0,3% do total, foram em procedimentos que não o ajuste directo, aquele que é considerado o procedimentos menos transparente de todos. Esta é, em parte, a consequência do recurso a linhas de crédito.
Os ajustes directos, que devem ser excepção na contratação pública tornaram-se a regra nos mandatos do Presidente João Lourenço e, em 2023, o valor dos contratos adjudicados por este mecanismo praticamente triplicou face ao que foi contratualizado em 2022, passando de 1,4 biliões para pouco mais de 3,4 biliões Kz.
Isso mesmo constatou o Expansão, com base em cálculos dos dados dos Boletins Estatísticos da Contratação Pública Angolana do I e II Semestre de 2023, publicados pelo Serviço Nacional de Contratação Pública (SNCP). Dos mais de 3,4 biliões Kz contratualizados em 2023, apenas 12 mil milhões Kz, equivalentes a 0,3% do total, foram em procedimentos que não o ajuste directo.
Além de serem mais dispendiosos e impedirem a concorrência entre empresas, os ajustes directos, bem como os procedimentos de contratação simplificada, comprometem a transparência exigida na Lei dos Contratos Públicos e o combate à corrupção, o que leva alguns especialistas ouvidos pelo Expansão a qualificarem de "escandaloso" o excessivo recurso a estes mecanismos de contratação pública.
"A excessiva contratação simplificada distorce a concorrência de uma economia de mercado", observa Fernandes Wanda, coordenador do Centro de Investigação Social e Económica da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto. Já Heitor Carvalho, director do Centro de Investigação Económica da Universidade Lusíada de Angola (Cinvestec), defende que deve ser criado um mecanismo que ponha fim a esta prática. "Só vejo um caminho, que é o de substituir a legislação existente, impedindo a contratação simplificada para casos que não se enquadrem em situações de calamidade ou mais graves", defendeu.
Má contratação pública
Segundo apurou o Expansão, o excessivo recurso à contratação simplificada deve-se, sobretudo, ao facto de a contratualização das grandes obras do País estar a ser financiada por linhas de crédito disponibilizadas por outros países, que no quadro dos seus processos de internacionalização e exportação impõem a contratualização de empresas dos seus países.
Qualquer que seja a razão, Galvão Branco é contra os ajustes directos, que "contribuem para a má contratação publicação", uma vez que não se está a fazer recurso ao seu grande potencial "que é a concorrência".
"Há esta viciação dos ajustes directos e não se conhecem bem as razões objectivas para isso acontecer. É um erro que se tem vindo a cometer e é preciso ser corrigido rapidamente, porque tem um grande impacto a nível dos operadores do mercado, que se sentem desmoralizados no exercício da sua missão", afirmou o consultor.
Galvão Branco não tem dívidas que para ser transparente a contratação pública "tem de sair fora do perímetro do ajuste directo". É, pois, "necessário que se façam concursos públicos, e abertos", no "limite, o dirigido", defende o consultor, notando que "o aberto é mais transparente e o mais susceptível de trazer benefícios à entidade contratante", porque "permite maior concorrência" e, consequentemente, bens e serviços mais baratos.
"O concurso público é a melhor forma de salvaguardar os interesses do Estado e dá maior transparência à contratação pública. Até porque o Estado é o maior contratante de bens e serviços e tem uma grande responsabilidade no funcionamento da economia", remata.
*Com Faustino Diogo