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Angola

Novas linhas de crédito colocam Angola e Brasil em rota de aproximação

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A combinação dos efeitos da operação Lava Jato, eleição de Jair Bolsonaro (que não tinha África como prioridade) e das crises económicas ameaçava o futuro das relações bilaterais. Comunidade brasileira em Angola deseja a reabilitação das linhas de financiamento mas, ao contrário do que sucedeu até 2016, defende maior transparência e aproximação às PME.

Angola e Brasil carregam uma longa relação histórica que, em determinados níveis, é fundadora de laços culturais e familiares. Esta proximidade também apresenta um rosto económico, que se materializou com o investimento brasileiro e no desenvolvimento de linhas de crédito do Brasil para Angola (um total de 4 mil milhões USD entre 2000 e 2016). Tudo isto foi posto em causa com a crise petrolífera de 2014 mas, sobretudo, com as ramificações da operação Lava Jato (um dos maiores esquemas internacionais de corrupção dos últimos anos) a atingirem a costa atlântica angolana, reforçadas depois pela eleição do agora ex-presidente Jair Bolsonaro (2018). A pandemia de 2020 aplicou a machadada final numa época de ouro. Com boa parte dos constrangimentos ultrapassados, tanto Angola como o Brasil pretendem construir uma nova rota de aproximação.

Se do lado de Angola o formato das linhas de crédito país-a-país continua a ser procurado e desejado (apesar das críticas dos empresários nacionais), com interesse no aprofundamento destes mecanismos (veja-se os exemplos recentes da China, Espanha, Alemanha, Portugal, entre outros), do outro lado do Atlântico o contexto político alterou-se. A opinião pública daquele país está atenta a tudo o que esteja relacionado com a actuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) e as suas polémicas conexões, que juntam política partidária, economia e relações exteriores.

A operação Lava Jato investigou inúmeras pessoas e instituições no Brasil, com profundos efeitos políticos e económicos, com impactos directos nas principais empresas do sector da construção civil e do petróleo (Petrobras).

A enorme Odebrecht, por exemplo, com ampla presença em obras públicas (financiadas pelas linhas de crédito do BNDES, na maioria dos casos) e um forte suporte político em Angola, foi reestruturada de cima abaixo e até de nome mudou: agora chama-se OEC.

Os graves problemas reputacionais e criminais também afectaram as operações em Angola de outros antigos gigantes brasileiros da construção civil, como são os casos da Camargo Corrêa, Queiroz Galvão ou Andrade Gutierrez, que tinham acumulado influência no período de reconstrução nacional em Angola. Com excepção da OEC, que recebeu novos contratos no País desde 2021 (920 milhões USD para construir a refinaria de Cabinda e 547 milhões USD para a construção do terminal oceânico da Barra do Dande), as restantes mantêm uma actividade residual no País.

Por outro lado, segundo um artigo de 2021 da publicação brasileira Poder360, a facturação das 11 construtoras que estiveram na mira das investigações (Odebrecht, UTC, Andrade Gutierrez, Galvão Engenharia, Camargo Corrêa, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, OAS, Carioca, Nova Engevix e Techint) passou de mais de 21 mil milhões USD, em 2015, para "apenas" 2,4 mil milhões USD em 2019. Somadas à Petrobras, essas empresas tiveram uma queda conjunta na facturação de 112 mil milhões USD ao câmbio actual. Outrora líderes de mercado, em 2023 nenhuma das referidas 11 empresas faz parte do Top-10 do sector de construção civil e obras públicas do Brasil.

Em Angola, segundo dados do próprio BNDES divulgados pelo Expansão em 2016, a antiga Odebrecht recebeu 79% ou 3.145 mil milhões USD dos financiamentos para projectos em Angola, seguida da Queiroz Galvão (317 milhões USD), Andrade Gutierrez (276 milhões) e Camargo Corrêa (213 milhões). As infra-estruturas financiadas pelas linhas de crédito brasileiras resultaram em obras como a barragem de Laúca, por exemplo, a reabilitação e construção de estradas na província de Luanda, Benguela e outras regiões ou no alteamento da barragem de Cambambe, entre inúmeros outros projectos.

Para onde deve caminhar esta relação?

O modelo petróleo-por-infra-estruturas parece estar praticamente enterrado. Ao mesmo tempo, é provável que os brasileiros que voltaram a colocar Lula da Silva no poder estejam interessados em ver o seu país retornar à diplomacia internacional, uma mais-valia desbaratada pela inconstância de Jair Bolsonaro e pela sua visão de um Brasil meramente pró-americano num mundo em profunda transformação.

(Leia o artigo integral na edição 727 do Expansão, desta sexta-feira, dia 2 de Junho de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)