Pobreza, inflação, crise e fome ficaram de fora do discurso do Presidente
A expressão "construção" foi uma das mais usadas pelo Chefe de Estado, que destacou os inúmeros projectos em curso a nível nacional, desde a construção de refinarias, hospitais, fábricas, escolas, estradas, entre outros. População não se revê no quadro descrito, diz analista.
Pobreza, inflação, fome ou crise foram algumas das palavras que o Presidente da República se esquivou a utilizar na oitava vez que foi ao Parlamento para fazer o seu Discurso à Nação, ao contrário do que aconteceu na primeira vez em que cumpriu este exercício, 20 dias após a sua tomada de posse, em 2017.
Mas, passados sete anos, estas palavras fazem parte do dia-a-dia das famílias angolanas, devido ao facto de a situação económica e social do País se ter deteriorado, nos últimos anos, tendo o número de pessoas carenciadas aumentado drasticamente.
Por exemplo, o número de angolanos em pobreza extrema aumentou quase 3,5 milhões entre 2018 e o final de 2023, de acordo com cálculos do Expansão com base num relatório do Banco Mundial sobre as Perspectivas da Macro Pobreza na África Subsariana, divulgado recentemente, e que coloca Angola no 19.º lugar do ranking dos países com as mais altas taxas de pobreza extrema na região, facto que não mereceu um único comentário no último discurso que o Presidente da República dirigiu à Nação.
Os números acabam por evidenciar aquilo que é hoje visível na periferia de Luanda, onde os contentores de lixo são cada vez mais o recurso de muitos cidadãos para matar a fome, sobretudo crianças e adolescentes. Quanto à inflação, no final de 2017, a homóloga era de 23,7% e no final de Setembro deste ano já estava nos 29,9%, um sinal de que os preços no consumidor continuam em alta.
Analistas ouvidos pelo Expansão consideram uma "aberração" o Presidente da República ter ignorado o real estado da Nação, preferindo, mais uma vez, abordar os louros da sua governação, nomeadamente os projectos de construção de infraestruturas, como hospitais e estradas, ou seja, a aposta no betão tem sido uma característica do Executivo, nestes últimos anos.
Grande "dor de cabeça"
Para o politólogo David Sambongo, estas palavras têm sido a grande "dor de cabeça" da governação do Presidente João Lourenço, porque, apesar das inúmeras reformas feitas e do conjunto de acções ligadas à diplomacia económica, do ponto de vista prático, hoje, a situação económica e social das famílias angolanas está cada vez mais degradada.
"Esse discurso sobre o Estado da Nação realizou-se num ano em que houve uma paralisação geral da função pública jamais vista no País", recorda, frisando que a greve das centrais sindicais demonstrou efectivamente que há toda a necessidade de se recuperar o poder de compra das famílias angolanas.
Sambongo lembrou que, no primeiro mandato, o Presidente João Lourenço tinha dito que queria ser lembrado como homem do milagre económico, mas passados sete anos os cidadãos ficaram mais pobres.
"Se repararem bem, no discurso à Nação de 2023, o Presidente apresentou as Reservas Internacionais Líquidas (RILs) em cerca de 14 mil milhões USD, que asseguravam pelo menos sete meses de importação, e acontece que neste ano o PR volta a dizer que o País tem as mesmas reservas do ano passado. Significa dizer que, do ponto de vista daquilo que se propõe realizar, nós estamos num período de estagnação", afirma.
Lembra que o facto de mais de metade do OGE estar comprometida com o serviço da dívida pública tem implicações na inflação, no combate à pobreza e à fome e, no seu entender, seria fundamental que o PR não só falasse abertamente sobre esses assuntos, mas também que apontasse os caminhos no sentido de se inverter o quadro actual".
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