Governo bate recorde ao endividar-se em 2.000 milhões USD lá fora para apoio à tesouraria
Tem sido mais comum o Executivo garantir financiamentos para obras, mas para gestão corrente, a considerada má despesa, já não tem sido habitual. Pior só mesmo em 2018, quando se foi buscar 760 milhões USD "à socapa" ao Banco de Desenvolvimento da China, que na altura chegou a ameaçar suspender a linha de crédito a Angola.
O Governo garantiu este ano quatro financiamentos junto de instituições internacionais, como bancos de investimento, no valor de 2.000 milhões USD, para apoio à tesouraria, que pressupõe ser para despesas correntes, como pagamento de salários e juros da dívida, de acordo com cálculos do Expansão, com base nas autorizações presidenciais publicadas em Diário da República para este efeito.
O ano não está a ser fácil para o Executivo no que diz respeito ao financiamento ao Orçamento Geral do Estado de 2024, até porque a emissão de eurobonds adiada de outros anos está fora de hipóteses devido à alta de juros. De acordo com cálculos do Expansão, com base nos relatórios de execução orçamental do I, II e III trimestres, há um buraco de 6,3 biliões Kz no financiamento ao OGE, já que dos 8,6 biliões Kz previstos no Plano Anual de Endividamento (PAE) de 2024 em financiamentos internos e externos para os primeiros três trimestres do ano, o Governo apenas conseguiu 2,3 biliões Kz entre Janeiro e Setembro.
Ainda que a captação de impostos até esteja dentro do que foi projectado, sobretudo devido ao aumento das vendas de petróleo lá para fora, os dados de execução ao longo dos primeiros nove meses do ano evidenciam as dificuldades do Estado em financiar o OGE, o que obrigou ao corte de despesas e "destapou" as dificuldades de tesouraria já que o Executivo chegou a atrasar o pagamento dos salários de Julho.
Outro indicador que demonstra as eventuais dificuldades de tesouraria é o valor que estava depositado no final de Outubro na Conta Única do Tesouro à guarda do Banco Nacional de Angola (BNA), precisamente 223,3 mil milhões Kz (entretanto no final de Novembro esse valor subiu para 315,3 mil milhões Kz). Trata-se do valor mais baixo desde os 128,4 mil milhões verificados em Dezembro de 2022, e o segundo mais baixo desde, pelo menos, 2011 (as estatísticas do BNA não permitem recuar mais). Ainda que existam contas da CUT em instituições bancárias nacionais - o Expansão apurou que estão contabilizadas mais de 20, o que acaba por ser uma autêntica dor de cabeça para o Ministério das Finanças e, por isso, solicitaram apoio ao Fundo Monetário Internacional (FMI) - estes valores são alarmantes. Até porque além de sair dali as verbas para o serviço da dívida, também é dali que são pagos os salários da função púbica. E, de acordo com o OGE, para 2024 está prevista uma despesa total de quase 2,8 biliões Kz para despesas com pessoal, o que a dividir por 14 meses (salários mais subsídios de férias e de Natal) dá cerca de 197,9 mil milhões Kz de média mensal em pagamento de salários da função pública. Contas feitas, o dinheiro depositado na CUT em Outubro dava para pagar apenas um mês de salários.
De acordo com um consultor internacional, que solicitou anonimato, a "necessidade de recorrer a financiamentos para tesouraria significa que o Governo precisa de dinheiro para pagar despesas correntes como por exemplo salários", o que considera preocupante. Por norma, as despesas correntes (somatório dos salários, bens e serviços, juros e transferências correntes como subsídios e prestações sociais) são consideradas má despesa, ainda que sejam essenciais para o bom funcionamento do Governo e de serviços essenciais à população. Ainda assim, a questão é que o País está a endividar-se para pagar despesas que já estão previstas em Orçamento Geral do Estado e que supostamente deveriam ser "pagas" pelas receitas fiscais.
O problema é que o Governo, quando faz o OGE, sabe à partida que mais de metade desse orçamento será para pagar o serviço da dívida ( juros e amortizações). Em 2024, quase 14,3 biliões Kz de um total de 24,7 biliões são para pagar amortizações e juros, ou seja 58% do orçamento são para a dívida. Restam, assim, pouco mais de 10,0 biliões Kz para o resto, nomeadamente despesas correntes e despesas de capital (investimentos). Só que um orçamento é uma estimativa financeira que detalha as receitas e despesas de um período específico, pelo que quando o OGE 2024 foi feito era apenas uma projecção. E, no caso de Angola, a história mais recente mostra- -nos que da projecção à realidade há uma grande diferença. Como é imperativo pagar a dívida, o Executivo vai cortando noutras despesas, como as do sector Social, que muitas vezes é projectado para receber verbas muito mais elevadas do que, depois, acaba por se efectivar.
Leia o artigo integral na edição 807 do Expansão, de sexta-feira, dia 20 de Dezembro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)