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Responsabilidade afectiva e o direito ao ghosting

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Aprendemos, desde muito cedo, que a felicidade do outro é nossa responsabilidade e que não podemos fazê-lo sentir-se mal. Esqueceram-se de nos ensinar que nós temos de estar no topo da lista das prioridades e que podemos dizer "não" sem uma explicação.

Tenho algumas ideias impopulares. Esta é uma delas. Acredito que o direito ao ghosting é um direito elementar. O simpático, empático, útil e muitas vezes tóxico conceito de "responsabilidade afectiva" opõe-se, no entanto, fortemente a esta ideia.

O que se entende, comummente, por responsabilidade afectiva? A expressão popularizou-se a partir do livro O Pequeno Príncipe (1943), de Antoine de Saint- -Exupéry. Há uma frase no livro de Saint-Exupéry que diz: "Tu tornas-te eternamente responsável por aquilo que cativas". Vemos a mesma ideia na frase amplamente divulgada na Internet, retirada de um poema de Augusto Branco: "A maior covardia de um homem é despertar o amor de uma mulher sem ter a intenção de amá-la". A ideia da responsabilidade afectiva é a de que, numa relação, nós somos responsáveis pelos sentimentos que despertamos no outro, pela manutenção da felicidade do outro, e por causar sofrimento ao outro.

E o que é o ghosting? Este conceito é muito mais recente e tornou-se popular com os relacionamentos online. Conhecemos as pessoas online, relacionamo-nos com elas online, e terminamos com elas online, cortando todos os acessos à nossa pessoa, aparentemente "do nada". Sem-qualquer- -explicação! "Ghost" significa fantasma. Tornamo-nos fantasmas para aquela pessoa com quem falávamos todos os dias. Sem explicarmos nada. Continuamos vivos e bem, e todo o mundo sabe disso. Mas tornamo- -nos completamente inacessíveis. A maior parte das pessoas insurge-se: "Isso é uma covardia!".

Não é por covardia que as pessoas dão ghosting em vez de darem explicações. Não é fácil terminar relacionamentos. O ser humano não lida bem com a rejeição. Vai chorar, implorar, prometer mudanças, insultar, ameaçar, agarrar, abanar, quando tudo o que estamos a querer fazer entender é que já não queremos estar na relação. Dar um ghosting facilita a nossa vida. O outro terá de aprender a lidar com isso. E se nos fizerem isso a nós: teremos de aprender a lidar com isso também.

Há uma pressão social muito grande para terminarmos relacionamentos "cara a cara", como sinal de carácter. Penso que o importante é terminarmos, se é isso que queremos fazer, e uma mensagem escrita, no WhatsApp, ou um ghosting podem ser muito mais claros e eficazes do que uma desoladora conversa "cara-a- -cara", que pode tornar-se rapidamente abusiva. Não devemos colocar-nos em perigo em nome de uma definição de carácter muito questionável e limitada.

Há também pressão social no sentido de explicarmos as nossas decisões e atitudes. É provavelmente por isso que temos tanta dificuldade em dizer "não" quando nos pedem dinheiro emprestado, e escrevemos textos enormes a tentar explicar porque é que não podemos emprestar. Aprendemos, desde muito cedo, que a felicidade do outro é nossa responsabilidade e que não podemos fazê-lo sentir-se mal. Esqueceram-se de nos ensinar que nós temos de estar no topo da lista das prioridades e que podemos dizer "não" sem uma explicação. "Não posso emprestar, lamento!", ou mesmo "Não posso". Ou nem sequer respondemos. Já está.

Voltemos à responsabilidade afectiva. Pegamos nesses tão utilizados argumentos - apresentados em cima - do carácter e da covardia, da obrigatoriedade de dar uma explicação e da resistência ao fim das relações, e produzimos este conceito de responsabilidade afectiva, que nos permite culpar e tentar controlar o outro. "Não me podes deixar, porque me fizeste promessas. Fica!"; "Traíste-me e agora vais ter de me deixar ver o teu telemóvel, vais deixar de seguir essas pessoas nas redes sociais, vais mostrar-me todas as mensagens trocadas com outras pessoas! Tens essa obrigação!"; "Tu expuseste- -me, apresentei-te aos meus amigos e família, agora não me podes deixar!"; "Eu mudei tudo por ti, deixei tudo por ti, tu disseste que querias casar comigo, agora não me podes fazer isso!".

É frequente encontrarmos homens e mulheres dilacerados pela culpa, porque consideram que "falharam" com os parceiros. De acordo com o conceito de responsabilidade afectiva, não podemos trair e também não podemos deixar de gostar da pessoa que está alegadamente apaixonada por nós, com quem estamos numa relação. Mas isso não está certo. A felicidade é uma responsabilidade individual! Eu, adulto, activo, sou responsável pela minha felicidade! Mais ninguém.

A responsabilidade afectiva é algo mau? Não. É muito importante para criar um ambiente saudável, seguro, onde todos se sintam respeitados e ouvidos, principalmente dentro de casa, na nossa relação com os nossos filhos (infelizmente, nunca se fala da responsabilidade afectiva no contexto da parentalidade, que é onde ela faz mais sentido). Ela também ajuda na manutenção de relações saudáveis e produtivas no ambiente corporativo, contribuindo para a criação de espaços seguros para expressão de opiniões e oferta de contributos. A responsabilidade afectiva é fundamental nas complexas e alargadas relações familiares. Nas relações de vizinhança. Nas escolas. Na comunidade.

Leia o artigo integral na edição 815 do Expansão, de sexta-feira, dia 28 de Fevereiro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. (Saiba mais aqui)

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