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Gestão

Eu faço o trabalho, mas tu é que o apresentas, está bem?

EM ANÁLISE

Falar em público é apenas uma das manifestações de um terror muito maior, um terror maior que o medo da morte, maior que o medo de não sermos felizes, maior que o medo de tentarmos fazer o que gostamos. Falo do pavor que temos da opinião dos outros!

A Alexandra é inteligente e focada, faz excelentes propostas, é genial na gestão de projectos. O problema surge na hora de apresentar o seu trabalho ao conselho de administração. O coração começa a bater rapidamente, parecendo querer sair do peito, as palmas das mãos transpiram, começa a respirar com dificuldade, sente que vai morrer. "Não vou conseguir!", pensa. "Eu faço o trabalho, mas tu é que o apresentas, Rui, está bem?" - pede ao colega. O Rui olha para ela, secretamente feliz, mas tentando disfarçar o contentamento: "Oh Alexandra, tens a certeza?".

Para quem não tem medo de falar em público, o medo da Alexandra pode parecer irracional. No entanto, é talvez o medo mais comum de todos. Em 2015, o jornal britânico Sunday Times realizou um estudo sobre o medo, entrevistando três mil pessoas, e pedindo que listassem os seus maiores medos. O medo de falar em público apareceu no topo da lista! 41% das pessoas tinham medo de falar em público. Os medos de problemas financeiros (22%), da morte (19%) ou mesmo da solidão (14%) eram menores que o medo de falar em público.

Eu diria, no entanto, que o verdadeiro medo não é o de falar em público. Falar em público é apenas uma das manifestações de um terror muito maior, um terror maior que o medo da morte, maior que o medo de não sermos felizes, maior que o medo de tentarmos fazer o que gostamos. Falo do pavor que temos da opinião dos outros! E este pavor manifesta-se quando temos medo de falar em público, mas também quando temos medo de contrariar os nossos familiares, quando temos medo de que as pessoas saibam que temos uma doença grave, quando não queremos que pensem que somos pobres, quando não queremos que saibam que a relação não está a ir bem, quando achamos que todos são melhores e mais seguros do que nós, quando ficamos com o coração apertado, pensando que as pessoas no fundo da sala estão a rir de nós. Temos medo de sermos ridículos. Temos vergonha. Sentimo- -nos inadequados. Pedimos ao colega: "Fala tu!".

Tycho Brahe era um grande astrónomo dinamarquês, que contribuiu grandemente para a revolução científica do século XVI, e que morreu por ter tido vergonha de sair da mesa para ir à casa de banho. No dia 19 de Outubro de 1601, o astrónomo foi a um banquete, em Praga. A certa altura, durante a noite, quando precisou de ir urinar, envergonhado e com medo de quebrar a etiqueta, preferiu controlar a vontade, aliviando-se apenas ao chegar a casa. Ter passado a noite a segurar a vontade de urinar foi, no entanto, fatal. A bexiga estoirou e, dias depois, Tycho Brahe morria, agonizante.

Morria por causa do medo e da vergonha. Morria por medo de que pensassem mal dele se tivesse saído para urinar.

Na última edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM- -V), encontramos as perturbações de ansiedade, que envolvem "o medo e a ansiedade excessivos e inadequados para o nível de desenvolvimento do indivíduo". Entre os transtornos de ansiedade, está a perturbação de ansiedade social, ou fobia social. Na fobia social, surgem as situações em que sentimos ansiedade por acreditarmos que estamos sob o escrutínio crítico dos outros: falarmos em público, caminharmos por entre pessoas já sentadas, levantarmo-nos para ir ao quadro, levantarmo- -nos para irmos buscar comida, comermos diante de desconhecidos, entre outras.

De que é que temos realmente medo e porquê? Temos medo de falhar, de errar, e de sermos julgados por isso. Temos medo de que as pessoas se apercebam de que fazemos tudo mal, de que não somos capazes de nada. Porquê? Porque, no fundo, nos consideramos inferiores aos outros. Os outros têm mais razão do que nós. Os outros estão sempre certos. O que a família disser, é o que temos de fazer. As regras da sociedade deverão ser seguidas sem questionamento. É-nos difícil questionar o que a maioria diz. E, mais uma vez, porquê? Talvez porque, quando éramos pequenos, os nossos cuidadores - a mãe, o pai, os tios, a avó, o vizinho, o professor do ensino primário - nos tenham dito que não éramos suficientes. Disseram- -nos que a nossa irmã mais velha era mais inteligente do que nós, que as nossas primas eram mais bonitas, que o nosso irmão mais novo era muito mais comunicativo. Disseram-nos que éramos pouco inteligentes, pouco interessantes. Éramos pouco. Passamos a vida a tentar provar que somos suficientes, que somos bons, mas aquela voz (da mãe, do pai, do professor) grita aos nossos ouvidos: "Não és capaz!".

Leia o artigo integral na edição 760 do Expansão, de sexta-feira, dia 26 de Janeiro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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