"O grande problema que Angola hoje tem é transformar a estrutura da sua economia"
Fernandes Wanda acredita que o fracasso dos vários programas do Governo para desenvolver o País tem acontecido por falta de articulação e defende acesso ao livre financiamento e inclusão dos profissionais angolanos nas soluções de desenvolvimento de Angola.
Um novo ano começa agora, com um novo Orçamento Geral do Estado. Como investigador/pesquisador que expectativas tem para o País?
Já fui muito mais optimista nos anos que já lá vão. Pode não parecer, mas a cada ano vamos aumentando a nossa idade e vamos sendo um pouco mais realistas e menos sonhadores. No caso concreto de Angola, e atendendo à questão que me colocou, infelizmente eu não sou muito optimista assim. Depois poderei, ao longo da conversa, explicar porque o meu optimismo agora é mais reduzido, eu sou muito mais pragmático, porque tem muito a ver com as acções e os resultados. No meu entender, pelo que vejo, e que é a atitude da própria governação, nós continuamos a cometer os mesmos erros. Nós estamos, quando digo nós, a governação. Como a governação não se pode fazer sozinha, nós estamos aqui, a população, cidadãos, e do nosso jeito vamos contribuindo, afinal, o país é nosso mesmo. Continuamos a não aprender com os erros que cometemos no passado e continuamos a repetir os mesmos erros. E, infelizmente, à espera de resultados diferentes. Por isso é que a minha expectativa é baixa. A não ser que haja uma mudança no modo de fazer as coisas, uma mudança de pensar os problemas e na forma de os abordar, dificilmente as coisas vão mudar.
Esta mudança de abordagem passaria por onde?
A governação tem de perceber que o modelo e a estratégia que tem seguido não está a funcionar. E reconhecer isso através de uma introspecção. É preciso primeiro reconhecer para experimentar algo diferente. Se lermos os discursos, por um lado enquanto investigadores, percebemos que os políticos têm sempre passado essa mensagem positiva e dificilmente procuram alternativas ao que estamos a fazer hoje. É o que se está a passar agora. Vimos nos discursos de fim de ano, nos balanços apresentados nas televisões, rádios, jornais, desde o mais alto mandatário aos seus auxiliares, foi sempre positivo.
E não é isso?
Não. Aqui, no Centro de Investigação, é só olharmos pela janela, temos o contentor de lixo e vemos as pessoas a irem à procura de comida. Então, alguma coisa está errada. Enquanto cidadãos, estão a ver uma realidade, mas o governa tem outra visão do País. Isto faz-me lembrar uma discussão, um debate num Fórum sobre a governação em África, que a Fundação Mo Ibrahim organizou em 2018 no Ruanda, em que participei. Falava sobre a administração pública em África. E uma das conclusões que chegou é que muitos governantes estão dissociados, quer dizer, não têm as ferramentas, não conseguem compreender os governados, porque grande parte da população em África, em geral, e em Angola, em particular, é jovem.
O que isso significa?
Os governantes não ouvem os governados. Não existe uma ligação, existe uma dessincronização entre quem governa e quem é governado. Quer dizer, quem governa não procura perceber o indivíduo que está a governar. Como é que o jovem hoje pensa e ir de encontro a esses pensamentos, essas aspirações. Mas é bom reforçar aqui, isso não é um problema que se verifica apenas em Angola, também se verifica em grande parte dos países africanos. Os governantes têm uma visão diferente dos governados.
Em termos económicos, por exemplo, os números do INE apontam para um crescimento do PIB de 5,5% no terceiro trimestre do ano passado comparativamente a 2023, este dado não é um sinal de que as coisas estão a mudar?
Sim, mas repara, a economia cresceu, mas depois, temos de ter cuidado a ver quais são os sectores que lideraram este crescimento, e aí vamos ver que foi o petróleo. Depois os recursos minerais, e aqui o principal recurso foi o diamante, e a seguir vem o comércio. Chamo a isto a economia de compra e venda. Receitas de petróleo a alimentar um comércio. Para que o crescimento tenha um impacto real na maior parte da população, digamos assim, é necessário que seja um crescimento sustentável. Quando falarmos de agricultura, da indústria, indústria transformadora, nos seus vários segmentos, estaremos a falar de crescimento sustentável. Temos de olhar para os sectores primário, que é a agricultura, o secundário, que é a indústria transformadora. Esses devem ser os impulsionadores do crescimento económico.
Isto não está a acontecer?
Não. O grande problema que Angola hoje tem é de transformar a estrutura da sua economia. A economia está muito dependente e isso já é um problema que vem desde 1975. Até 1973, altura em que o petróleo começou a ascender, Angola tinha outros sectores. Se olharmos para aquela época, a estrutura das exportações tinha outros produtos de exportação, quer dizer, outras fontes de divisas. Claro, por razões históricas, é bom que se diga não podemos escamotear a história, houve um conflito, o conflito alastrou-se até 2002, e a estrutura manteve-se. Quer dizer, a partir de 1976, o petróleo ascendeu como principal fonte de receitas e principal produto de exportação, e aí manteve-se. O grande desafio é, desde 2002, estamos em 2025 agora, passaram pelo menos duas gerações e, infelizmente, não fomos capazes de transformar a estrutura da economia.
Qual seria o melhor caminho para alterar a estrutura do PIB?
O petróleo tem o peso que tem. Angola teve um aumento da produção petrolífera considerável. Saiu, em 2001, de cerca de 800 mil barris dia, para 1,5 milhões, quer dizer e depois chegamos aos quase 2 milhões de barris por dia. Infelizmente, não aproveitámos esse bom período para transformar a economia, para dinamizar os outros sectores. Mas havia uma estratégia. Existe um documento do Ministério das Finanças, em que a ideia do Governo era a apreciar a moeda, eu chamo aquilo de política do kwanza, porque uma moeda forte facilita as importações. Importação de bens de capital. Quer dizer, máquinas e equipamento.
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