"Sem professores capacitados e motivados, não há ensino de qualidade"
Com o surgimento da pandemia e evolução das tecnologias, o método tradicional de ensino deixa de ser tão eficaz na vida dos estudantes. A reitora da UPRA defende que existe a necessidade de repensar o processo de ensino-aprendizagem.
A situação socioeconómica do País tem retirado alunos das salas de aulas, porque não há condições de pagar, por exemplo, uma propina. Não têm condições para continuar com a formação. Como é que pensam enfrentar esse desafio?
A Universidade Privada de Angola (UPRA) recebe estudantes bolseiros que são apoiados por instituições governamentais e não governamentais. E a UPRA também tem as suas bolsas internas. É uma forma de apoiar, e é o que nós já estamos a fazer. A bolsa interna da UPRA está vinculada ao mérito académico. E se o mérito académico declina, aí não há muito o que fazer. O estudante acaba por a perder.
O número de vagas no ensino superior reduziu 16,7% para 191.752 face às 230.253 vagas referente ao ano lectivo 2023/24. Significa que há menos procura pela formação superior? É necessário mais investimento no ensino superior?
Investir no ensino superior é investir no desenvolvimento económico e social do País. As universidades são pólos de inovação, pesquisa e qualificação profissional. Países que priorizam a educação superior colhem benefícios como aumento da produtividade, avanço tecnológico e melhoria na qualidade de vida da população. No entanto, esse investimento precisa ser planeado e contínuo, garantindo infra-estruturas adequadas, qualificação docente e acesso a oportunidades de aprendizado para todos.
A pandemia veio e transformou o mundo. Transformou a maneira tradicional de se ensinar. Que avaliação faz da retoma e sobre a qualidade de ensino?
A pandemia foi cruel. Matou muita gente, fez com que o mundo pensasse, em todos os seus eixos. As universidades hoje estão a receber o grupo da geração Z e daqui a pouco a alfa, que entra também com força. Acha que esse grupo, que fica muito tempo nas redes sociais e internet, vai conseguir aprender da mesma forma que nós aprendemos antes da pandemia? Com certeza que não. Então, o que a pandemia trouxe para nós no mundo educaçãoé uma necessidade de repensar o estilo de ensino- -aprendizagem. E neste estilo entram, obviamente, as novas tecnologias educacionais.
Hoje todos os caminhos apontam no sentido de o ensino ter de dar mais atenção às tecnologias educativas, ao mundo virtual?
Não tem como não aderir a esse mundo virtual. Estava vendo um vídeo, não me lembro de quem é, mas que contava o seguinte: em 1940 fizeram um estudo colocando uma menina a brincar com uma boneca. E começaram a observar quanto tempo ela ficava ali trabalhando, brincando com aquela boneca e durava 50 minutos. Na mesma época foram verificar quanto tempo na sala de aula o estudante conseguia manter a atenção no professor, também esteve à volta dos 50 minutos. E aplicaram o mesmo estudo no pós-pandemia, a criança a brincar com a boneca durava cinco minutos e em sala de aula. O professor tem que utilizar estratégias metodológicas que promovam mudanças neurais para promover foco e atenção. Se for um professor que entra na sala de aula e fala, fala, fala, vai ter estudantes a dormir, deitados nas carteiras. O pensamento vai estar em tudo, menos ali. O professor tem que criar estratégias dentro da neurociência.
E como é que o professor tem de criar estas dinâmicas para manter a concentração do estudante?
O tempo de acomodação antes demorava, agora está muito rápido. O professor tem de criar, de tempo em tempo, um alerta. E esse alerta faz com que o estudante consiga manter a atenção. É como se eu conseguisse treinar o cérebro do meu estudante a acompanhar a aula. Tem que criar diversos mecanismos metodológicos, diversas dinâmicas e utilizar estratégias sensoriais. Porque, senão, ele vai dormir. E dorme mesmo.
É preciso entender que o modelo de ensino anterior já não funciona?
O professor tem que se adaptar ao mundo. Tem que entender que o modelo anterior não dá mais. Tem que se adaptar às novas metodologias activas. Tem que desejar isso, porque a profissão não é só para despertar, desenvolver o cognitivo para o saber. É desenvolver uma pessoa que está na universidade com professores diferentes e se as estratégias forem dentro das metodologias activas e da inovação tecnológica, esse estudante vai ser potencializado. Há necessidade de repensar o estilo de ensino de aprendizagem.
Aborda-se com frequência a questão da falta da qualidade no ensino superior, mas isto não está relacionado com a base, ou seja, as classes antecedentes, como a iniciação, ensino primário e secundário?
Sim, está relacionado. E quando falei das metodologias activas dentro da inovação tecnológica, não me referia só ao âmbito da universidade. Isso tem que ser aplicado mais lá atrás. Com todo um processo, psicopedagógico mesmo, para melhor se desenvolver a mente dos estudantes.
O Ministério quer acabar com a turbodocência e ameaça sanções por estas práticas. Esse tipo de colaboração em várias instituições também retira qualidade ao ensino?
Realmente, um professor que está em várias instituições corre o risco de não respirar a missão de cada instituição, porque está respirando várias. E cada instituição tem a sua missão institucional. Isso é verdade. Isso é facto. Mas vamos levar em consideração que nós estamos também a trabalhar num contexto em que há uma necessidade de adequações económicas. E aquele que está apenas numa instituição não consegue fazer muitas adequações diante desta inflação.
É um mal necessário?
Vou dar-lhe um exemplo. Você acha que um professor médico, vai deixar os seus serviços, o consultório, o hospital que ele trabalha, para ficar só na universidade? Não vai. Este é um ponto crítico, principalmente para as privadas. Este é um desafio. Falar que nós vamos ter um corpo docente totalmente efectivo, conforme se preconiza, é um pouco frágil. Mas podemos entender que um professor em part-time dentro da instituição já respira a missão da instituição. Se é um pouco complicado ter um professor 40 horas semanais, eu posso ter um professor que esteja aqui dentro 20 horas semanais. Porque em 20 horas semanais ele pode dar x horas de sala de aula, em x horas desenvolver pesquisas, em x horas estar num projecto de extensão universitária. E ele está engajado, sim, na missão da instituição. E isso não denigre a imagem da instituição.
Então os professores part-time têm o seu espaço dentro da academia?
Sugeria que fosse valorizado, não só o professor efectivo, mas que também fosse valorizado o professor part-time. Como se avalia nos processos de avaliação externa, quantos efectivos e quantos não efectivos? Uma coisa eu posso garantir, se dentro desse part- -time a instituição fala, olha, aqui trabalha tantas horas em sala de aula, tantas horas na pesquisa, tantas horas na extensão, quem diz que eu não desenvolvo o tripé do ensino? Claro que desenvolvo. São coisas que eu acho que mereceriam uma reflexão.
Mas o ideal é ter professores em "exclusividade"?
É óbvio que aquele que está 100% dentro da instituição respira melhor os desafios da instituição, mas não quer dizer que o part-time não possa respirar. Isso não é um problema no seu todo. Se a gente for analisar, acha que nos outros países o professor está em tempo integral, 100%? Não está. Aliás, esses professores trazem também consigo as suas experiências profissionais que são importantes para os estudantes.
Leia o artigo integral na edição 813 do Expansão, de sexta-feira, dia 14 de Fevereiro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)