"O País tem de criar para as empresas angolanas o mesmo ambiente de negócios que cria para as empresas estrangeiras"
A líder da ASSEA defende maior eficiência do regime jurídico do conteúdo local do sector dos petróleos e o fim da proibição do pagamento em divisas às empresas nacionais, num sector onde as mulheres precisam de mais oportunidades.
Enquanto organização que congrega empresas angolanas que prestam serviços ao sector petrolífero, que avaliação faz hoje ao sector no país?
O sector petrolífero é caracterizado pelo declínio da produção petrolífera, que registou uma queda acentuada desde 2008, saindo dos 1,8 milhões de barris dia, para 1,1 milhões de barris dia em 2023. Devido ao declínio, está previsto um investimento directo estrangeiro no país de 26,7 mil milhões de dólares até 2027. Aqui temos uma oportunidade excelente de mitigar este declínio, através deste investimento directo estrangeiro, com medidas e políticas focadas no conteúdo local.
Que tipo de medidas?
A ASSEA tem um programa, que se chama" Action for 20%". Hoje a participação das empresas angolanas no sector petrolífero é apenas de 2%. Queremos trabalhar em acções concretas com todos os intervenientes do sector para aumentar esta participação para 20%. Olhando para o investimento directo estrangeiro de 26,7 mil milhões de dólares que se prevê até 2027, se aumentarmos em 20% a participação das empresas angolanas, vamos captar acima de 5 mil milhões de dólares para a nossa economia.
Como esperam aumentar a participação das empresas angolanas para 20%?
Primeiro, precisamos deste comprometimento por parte de todos os intervenientes. Hoje o sector não tem metas para o conteúdo local. Trabalha-se num decreto presidencial, tem de ser implementado e o Presidente da República João Lourenço mencionou agora, na conferência do oil & gas, que é preciso esta implementação, só que não existem metas. Tem de haver o compromisso da meta de 20%. O regulador precisa de criar políticas e incentivos para garantir que existe equidade de condições no sector e sustentabilidade.
Que políticas e incentivos seriam?
Temos três "calcanhares de Aquiles" para o desenvolvimento efectivo do conteúdo local em Angola. O primeiro é a lista de exclusividade. O Decreto Presidencial 271/20, que aprova o Regime Jurídico do Conteúdo Local do Sector dos Petróleos, define três regimes. O regime de exclusividade, o regime preferencial e o regime concorrencial. A exclusividade é um regime onde existe uma lista de fornecimento de serviços e bens, exclusivamente para empresas 100% angolanas.
Tem sido cumprida?
A lista em si tem de ser ambiciosa e tem de estar alinhada com o que define o decreto presidencial. Criação de empregos e qualificação de mão-de-obra, porque não basta apenas criar empregos, temos de ter também a qualificação. A qualificação de mão-de-obra vai permitir que quadros angolanos possam ambicionar ter posições de liderança, participar em projectos, não só em Angola como fora do país na área do petróleo e, acima de tudo, trazer inovação. O outro objectivo é a transferência de conhecimento. E há ainda a integração e fortalecimento do empresariado nacional, sem esquecer a robustez financeira.
A lista de fornecimento de serviços e bens exclusivamente para empresas 100% angolanas não permite isto?
Para atingirmos estes aspectos precisamos de uma lista de fornecimento de serviços e bens, que vá de acordo a esses objectivos. Hoje, a lista só consegue captar 2% da contratação do sector petrolífero. Desta contratação, apenas 0,7% é de serviços técnicos, serviços mais complexos. Grande parte da lista são de serviços básicos, que também são importantes, porque temos pequenas e médias empresas que fazem esses serviços e fazem muito bem. Estes serviços básicos têm a capacidade de empregar muito mais pessoas do que os serviços técnicos.
Faltam serviços mais complexos?
Precisamos de ter na lista mais serviços complexos. E tem de ser ambiciosa, capaz de atrair e garantir 20% do total da contratação actual no sector petrolífero para as empresas angolanas. Temos ainda um segundo" calcanhar de Aquiles" para o desenvolvimento efectivo de conteúdo local em Angola, que são os termos de pagamento na indústria petrolífera.
Porquê?
A este nível temos três problemas: O primeiro são os prazos de pagamento, que em média são de 90 dias. Imagine alguém que presta um serviço em Janeiro e só ser pago em finais de Março, ou Abril. Isso exige que as empresas angolanas tenham robustez financeira para poder suportar os seus serviços, desde os básicos aos mais técnicos. Se forem serviços mais complexos, exigem mais capital. Olhando para a nossa banca, apesar de já estar aberta ao financiamento, à criação de produtos para as empresas angolanas, começou recentemente. Imagine as consequências de empresas angolanas ficarem três meses sem pagamento. Outras empresas que operam no mercado, de direito angolano, algumas como sede de empresas estrangeiras, as com capital misto, as totalmente estrangeiras, têm acesso a financiamento lá fora, com taxas de juros bonificadas, mais atractivas.
Leia o artigo integral na edição 799 do Expansão, de sexta-feira, dia 25 de Outubro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)