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Grande Entrevista

"Os afectos fazem adormecer os verdadeiros projectos empresariais"

ARMINDO MONTEIRO, PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO EMPRESARIAL DE PORTUGAL (CIP)

Representante dos interesses de empresas que valem cerca de 70% do PIB de Portugal, o líder associativo afirma ao Expansão que, apesar do forte alinhamento político entre os dois países, esta proximidade não tem a mesma dinâmica ao nível dos investimentos e da economia.

A Confederação Empresarial de Portugal, mais conhecida por CIP, representa cerca de 70% do PIB de Portugal, que tem sido um parceiro tradicional das empresas angolanas, embora esse cenário pareça estar a mudar rapidamente. Que resultados espera obter com esta visita ao País?

Estamos num momento muito particular, não apenas em Portugal e Angola, mas no mundo em geral. Estamos a descobrir e a inventar uma nova globalização, porque aquela globalização que foi feita sem restrições está no fim e percebemos isso com o conflito que existe entre a Ucrânia e a Rússia e a competição com a China. Esta ideia de termos na Europa uma guerra dentro de fronteiras e outra às portas da Europa naturalmente que está a acirrar todas as tensões, a que se juntam todas as outras do Pacífico. O que eu quero dizer é que estamos perante um momento de redefinição: os investimentos estão a ser repensados e está neste momento em equação uma nova industrialização. Esta ideia de a fábrica estar do outro lado do mundo também está a mudar.

As relações em geral entre Angola e Portugal têm sido muito dinâmicas, no sentido da proximidade que gera aceitações, compreensões, alinhamentos, mas também desencontros inevitáveis. Considera que esta instabilidade tem sido potenciada pelos afectos que existem entre os dois lados, ainda que essa realidade seja insuficiente no campo da política e das relações internacionais?

Os afectos são positivos, porque nós preferimos ter relações comerciais com quem gostamos do que com quem apenas temos interesse no negócio e, portanto, a relação entre Angola e Portugal é boa. Aquilo que às vezes sentimos é que os afectos fazem adormecer um pouco os objectivos de fazer verdadeiros projectos empresariais, porque achamos que isso é inevitável, que mais cedo ou mais tarde vai acontecer e não nos empenhamos tanto.

Com que efeitos?

Os outros países que não têm essa relação de afectos vêm e investem, concretizam e, depois, o que tem acontecido? Portugal já não é para Angola o parceiro fundamental ou pelo menos um dos fundamentais, como foi ainda neste século, se pensarmos em 2012, 2013. E também Angola não é para Portugal esse parceiro tão fundamental como chegou a ser e isso significa que é preciso realmente não ficarmos neste adormecimento de relações económicas. Achamos que é importante, neste novo reequilíbrio global, a construção de novos espaços comerciais e que eles se façam também por afecto.

A China e a região asiática são hoje a fábrica do mundo, mas outros actores globais estão decididos a mudar essa realidade. Qual é o papel de países como Angola e Portugal neste contexto?

Portugal, fazendo parte do espaço europeu, pode efectivamente ser a porta de entrada na Europa e Angola, pelo seu papel, é claramente incontornável, é um país incontornável, uma economia incontornável. E se os dois se unirem ganham vantagens que mais nenhum país tem. Não há mais nenhum país na Europa com uma relação tão forte com Angola. Isso pode ser uma vantagem. Em certos sectores, seja porque não há mão-de-obra suficiente, seja pela pirâmide etária de Portugal, não há pessoas para trabalhar em determinadas indústrias, sejam elas mais tecnológicas ou menos tecnológicas.

Enquanto empresário já sente o peso da demografia no dia-a-dia das suas empresas em Portugal?

Claramente que sinto. Em Portugal estamos praticamente no pleno emprego, o que significa que há apenas um desemprego chamado desemprego técnico, naquelas áreas onde existe algum desajuste entre a oferta e a procura. Mas quem quiser trabalhar tem emprego, o que pode ser uma oportunidade para alguns jovens angolanos, e isso também pode estimular a ideia da valorização do currículo. Vale a pena obter uma boa formação, vale a pena adquirir competências, vale a pena pôr depois essas competências à disposição de um mercado que paga bem por elas. Se se qualificarem, se são talentos, o mercado português naturalmente contrata com gosto porque não há, seja em termos quantitativos ou qualitativos, talento suficiente no mercado.

As mudanças na geopolítica são uma oportunidade ou um obstáculo para as empresas portuguesas em Angola?

A verdade é que o nosso tecido empresarial, seja ele angolano ou português, é caracterizado sobretudo por um défice de escala. Em 50 anos de democracia, Portugal e Angola ainda não conseguiram construir marcas verdadeiramente globais. Portugal tem marcas globais, tem boas empresas na internacionalização, que estão espalhadas um pouco por todo o mundo, mas sem uma verdadeira marca global. E isso tem precisamente a ver com essa falta de escala, o que significa que se unirmos projectos de empresários angolanos com empresários portugueses podemos ganhar uma escala e uma dimensão que ainda não temos. A escala é um factor distintivo e muito importante e pode ser um caminho interessante para algumas parcerias empresariais.

Angola tem recebido investimento português em alguns sectores bem identificados (construção, banca, seguros e também algumas MPME). Que outros sectores podem ser atractivos no curto-prazo?

É preciso notar o seguinte: a nação angolana é muito, muito jovem. E a nação portuguesa independente também é muito jovem, porque apesar dos 900 anos de história apenas temos 50 anos de democracia. Isto é importante, porque em Portugal, até há 50 anos atrás, não era empresário quem queria, era empresário quem era autorizado pelo regime. Sem empresários, significa que a internacionalização, por exemplo, era feita para países que Portugal controlava administrativamente.

Leia o artigo integral na edição 780 do Expansão, de sexta-feira, dia 14 de Junho de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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