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Grande Entrevista

"Precisamos de uma visão de longo prazo para o País. Mas temos de despartidarizar essa visão"

MÁRIO RUI PIRES, CONSULTOR

O primeiro rosto das Parcerias Público- -Privadas (PPP) no País faz uma análise à forma como o Governo gere e regula a economia nacional, ao mesmo tempo que lança vários avisos à navegação e aponta possíveis caminhos para o futuro, agora sem a preponderância do petróleo.

Esteve durante algum tempo no Ministério da Economia, um organismo relativamente recente (foi criado apenas em 2008), onde chegou a secretário de Estado, depois de um trajecto profissional no sector privado. Qual deve ser o papel do actual Ministério da Economia e Planeamento?

A definição das atribuições é um problema histórico do Ministério da Economia e Planeamento: nunca se focou e continua a não se focar a 100% no apoio ao sector secundário e terciário da economia. Por isso, naquela primeira fase, em 2008-2012 e depois 2012-2017, atendeu o Sector Empresarial Público (SEP) e os projectos estratégicos e estruturantes, mas não muito profundamente. Discutíamos coisas como o Novo Aeroporto Internacional de Luanda, o Porto da Barra do Dande, ou seja, aquilo que eram investimentos públicos de grande monta.

Mas faz sentido ter um ministério só do planeamento?

Sim, porque o Estado ainda tem muito para fazer, como nos sectores da educação e saúde. Eu preciso de uma visão de longo prazo para o País. Contudo, temos de despartidarizar essa visão: hoje é o partido A e amanhã pode estar o partido B no poder. Mas a visão comum é sempre a mesma. E precisamos de números. Tenho de ter a capacidade de dizer que, daqui a 30 anos, pretendo que a minha mortalidade infantil seja metade do que é hoje, que a minha educação seja o dobro do que é hoje. E, se formos ao Parlamento, não me parece que haja grandes divergências ideológicas sobre a saúde e educação.

Parece que há até um certo consenso nesses sectores.

Mas temos de ter esse caminho claramente direccionado e acho que essa é a função do Ministério do Planeamento. Por outro lado, há outra coisa em que o Ministério do Planeamento é fundamental: a coordenação entre entidades, mecanismo que também sofre intromissões do Ministério das Finanças.

Julga que o Governo tem um problema de falta de coordenação?

Isso mesmo. Por exemplo, o Ministério da Energia e Águas vem e diz: nós temos este projecto de grandes linhas de alta tensão que vão passar aqui e ali. O Ministério do Planeamento vai olhar para aquilo e pergunta: mas vocês já chamaram o Ministério da Agricultura para ver com eles onde vão passar estas linhas? (apesar de nós termos aqui uma lógica de fornecimento de energia muito mais preocupada com o cidadão do que com a economia). Chamem o Ministério do Planeamento para funcionar como árbitro.

Na sua opinião, além de coordenação, também falta planeamento na actuação do Governo?

Há problemas claros a esse nível. Penso que o Ministério da Economia e Planeamento deve focar-se nas actividades produtivas. A economia não tem de ser muito pensada, as coisas devem ser facilitadas para que tenhamos menos intervenção do Estado. Por isso, acho que nós precisamos realmente de separar a função do Planeamento e da Economia. Nunca se devia ter juntado. Essa junção levou o investimento público para o Ministério das Finanças, outra coisa que não faz grande sentido. E também o SEP, o que também deixa algumas interrogações.

O SEP deveria ser tutelado pelo Ministério da Economia?

Era, provavelmente, uma das poucas coisas que estava bem no Ministério da Economia. Por exemplo, o Ministério dos Transportes é o principal destinatário da Empresa Nacional de Bilhética Integrada (ENBI). Será que precisávamos de uma empresa pública de bilhética? Claro que o Ministério dos Transportes acha que sim.

Qual é a sua opinião?

Acho que não precisávamos. Porque, por exemplo, temos uma empresa semi-privada chamada EMIS [Empresa Interbancária de Serviços], que devia ser explorada no que diz respeito à bilhética. Qual é a diferença entre a bilhética dos autocarros e o sistema TPA [Terminal de Pagamentos Automáticos]? Quase nenhuma. Vamos passar a ter cartões plásticos como bilhetes de transportes, mas o cartão até podia ser o multicaixa, precisávamos apenas de activar o serviço. Temos uma empresa que, tecnologicamente, está na frente e tem provas dadas. É uma empresa que, provavelmente, era capaz de transmitir um sintoma de maior segurança aos operadores dos transportes públicos e privados. Não há um escrutínio real a estas iniciativas.

O escrutínio que refere deve vir de onde?

Do Ministério do Planeamento, neste caso do Ministério da Economia e Planeamento. Um ministro da Economia interventivo ia dizer assim: não, alto aí, isto é uma oportunidade de negócio para o mercado.

Considera que é necessário aprofundar a separação entre funções políticas e técnicas?

No Ministério da Agricultura podemos ver que o problema é este. O ministro deveria ser um político, que está lá para liderar a aplicação do programa do partido que ganhou as eleições. Actualmente, ele envolve-se também na execução.

Os ministros devem ser, no fundo, especialistas em articulação política?

Exactamente. E dessa forma vão preocupar-se muito mais com a articulação executiva com os seus pares, com o Governo, do que com o ministério. Agora, o director na cional da Agricultura ou do Desenvolvimento Agrário deve ser alguém que entrou, há 20 ou 25 anos, como técnico superior ou técnico médio no Ministério da Agricultura ou numa unidade de produção agrária. Essa pessoa, à medida que chega a director nacional, vai adquirindo uma visão global, mas não é isso que se verifica. Temos dezenas de documentos que são produzidos por pessoas que não têm minimamente a noção do que é a realidade.

Tomam-se decisões importantes com base em realidades distorcidas?

Não podemos pensar que vamos fazer o Dubai em Luanda. Ou a Califórnia no Lobito. Não é possível fazer um Dubai em Luanda, porque no Dubai não havia nada. É muito mais fácil desenhar um caso de sucesso em cima de um papel em branco. Luanda existe, ela está aqui e tem quase 500 anos.

Nesta altura não há muita gente que queira meter o dinheiro em Angola...

Muitas vezes, não querem porque não temos Estado. Não há tribunais. Alguém que traz o seu dinheiro pretende estar num ambiente estável. A Lei do Investimento Privado é um caso desses. De 2017 até hoje foram feitas três leis que, em algumas matérias, são completamente divergentes. Hoje há muito dinheiro para fazer investimento directo no mundo, mas também há muita gente para o capturar, como são os casos do Ruanda, Senegal ou Nigéria, que criaram equipas altamente qualificadas.

(Leia o artigo integral na edição 709 do Expansão, de sexta-feira, dia 27 de Janeiro de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)