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Grande Entrevista

"Vamos fazer um novo concurso público para a gestão da REA"

VICTOR FERNANDES, MINISTRO DO COMÉRCIO E INDÚSTRIA

O ministro do Comércio e Indústria lembra que a fusão dos ministérios foi a sua maior realização e confirma que não vai haver renovação com o grupo Carrinho para a gestão da reserva alimentar. Vai haver um novo concurso público quando terminar este contrato.

Quando olhamos para o seu ministério, temos de falar da Reserva Estratégica Alimentar (REA), que tem sido o grande abastecedor de produtos da cesta básica...

Não... a Reserva não se substitui aos operadores de mercado.

Mas pode dizer-se que a REA funciona, hoje, um pouco, como a central de compras do Grupo Carrinho.

Vamos lá ver. É preciso explicar por que é que o grupo Carrinho está na REA. As pessoas já se esqueceram que houve um concurso público, que participaram vários grupos, inclusive internacionais. O grupo Carrinho veio em consórcio, nem sequer veio sozinho, e ganhou... Só que o seu parceiro nunca assumiu a gestão, saiu logo... Mas esse é um problema dos parceiros, não é de quem fez o concurso.

Mas pode ter sido estratégico. Ter sido combinado para ser assim.

Espero que não, porque senão tínhamos um problema com o regulador. Acho que não. Os parceiros unem-se e depois, no mundo dos negócios, há dificuldades e estas coisas acontecem. Este facto deve ser olhado é sobre o seguinte prisma: estão ou não a gerir bem a reserva? Estão a fazer um bom trabalho?

E estão, do seu ponto de vista?

Sim! A gestão da reserva tem tempo, são três anos. Depois pode ou não ser renovável. Na verdade, o que nós vamos fazer é um novo concurso público quando terminar o mandato.

Não vai então ser renovado com a Carrinho?

Vai ser feito um novo concurso público, como lhe disse, penso que ainda este ano ou no início do próximo, tenho apenas que confirmar se são três ou quatro anos de mandato. Como lhe disse, o que temos de nos preocupar é com a importância da REA.

Teve, pelo menos, efeito sobre a inflação?

Os nossos países têm ainda dificuldade em assegurar aquilo que são os produtos da cesta básica. Hoje em dia, no mundo, são poucos os países que ainda não têm isso controlado e todos eles têm uma reserva alimentar que serve para momentos em que o mercado tem de ser intervencionado, para responder a calamidades e para regular o mercado.

E o que é essa regulação do mercado?

Quando aumenta de forma considerável o preço dos alimentos, os governos responsáveis têm de ter mecanismos para intervir. Seja por fomento dos preços aos produtores, seja por ajuda à carteira dos consumidores, como aconteceu em Portugal, em que se deu dinheiro às pessoas. Isto para aliviar esse "fardo". Nós o que preferimos foi fazer este mecanismo de reserva, fazer stockagem...

Mas o que está hoje guardado e onde está?

Fisicamente?

Sim...

Está... em todo o País. Por força da relação que a reserva estabelece com os operadores, privados, como, por exemplo, o Entreposto e outros, têm espaços físicos onde se faz a stockagem. O normal seria, por exemplo, o João, que é um operador que tem o cultivo do milho, tem nos seus silos 30% contratualizado com a Reserva.

A ideia que fica é que a REA comprou, vendeu, mas guardar... só se for nos silos da Carrinho.

Não, não! Tem outros locais...

Os silos do Entreposto estão em obras, por exemplo.

Mas tem outros. Temos muita mercadoria na Zona Económica Especial guardada. A reserva não é um operador de mercado igual aos outros. Não pode. Se não estava a concorrer com os operadores normais e não é para isso que serve. O que faz é comprar nos mercados internacionais ou nacional grandes quantidades de produtos alimentares...

Internamente tem comprado muito pouco.

A reserva não tem dogmas, contrariamente ao que muita gente pensa, que só tem de comprar produtos nacionais. Não é nada assim. Compra nacional se houver excedente, porque a REA não vai substituir o mercado. E essa é a grande dificuldade dos nossos operadores, alguns acham, até para viabilizar os seus negócios, que a reserva tem de assumir a compra pelos preços que querem. Não foi para isso que foi criada. Ela serve para regular mercado....

Como é que faz isso?

Por exemplo, nos grãos, milho. Se, de repente, há uma escassez que faz com que o milho atinja um preço muito elevado, a reserva, por força da sua constituição estatutária, vai comprar o milho em outras paragens, onde o preço eventualmente esteja mais baixo, traz grande quantidades...

Mas, neste caso particular do milho, não é apenas a escassez que influencia o preço do mercado nacional. Os factores de produção na Argentina, onde a REA foi comprar, são muito mais baixos e, por isso, os preços dos nacionais serão sempre mais altos.

Estou apenas a caracterizar o mercado na base da procura/oferta. Até porque hoje o milho está barato. O milho produzido em Angola está mais barato que o milho produzido lá fora, acho. A reserva tem de comprar grandes quantidades e que seja produzido da mesma maneira, com as mesmas características, porque vai para stockagem. Se formos ao mercado nacional comprar o milho a A, B ou C, ele vai ter preços diferentes e depois não é possível fazer a regulação do mercado.

Isso justifica o recurso às importações?

Quando arrancámos as operações, em Setembro de 2021, fomos ao mercado nacional e a verdade é que não havia milho, por exemplo. Hoje já começa a haver. Mas naquela altura não havia operadores instalados no País, nacionais ou internacionais, para fornecer a REA nas condições que ela queria. E esse é outro tema. A reserva não compra a qualquer preço. Compra ao preço que ela depois acha que pode ser gerido para poder intervir no mercado.

Foi isso que aconteceu na questão do sal. Os produtores não tinham preço para a REA comprar, uma vez que continuam a dizer que há bastante stock de sal no País.

O sal é outra coisa. O sal que nos chega à mesa é um sal refinado. O sal a que os produtores se referem, quando todos os dias falam, é o sal primário. Não serve para pôr na mesa. Não sai da salina para o consumo massificado.

Em termos práticos, o sal que os produtores falam só interessa se for industrializado?

Aquele sal, por exemplo, para os produtores petrolíferos serve. Se a REA achar que existe uma escassez de sal para a indústria petrolífera e optar por intervir naquela parte do mercado para regular, então pode comprar esse sal. Não há problema nenhum. Mas não se pode substituir ao mercado.

Uma das críticas que se ouve é que a Reserva compra de acordo com as necessidades do parque industrial da Carrinho, para viabilizar a sua actividade.

Bem (pausa). Uma das condições para quem ficasse a gerir a Reserva é que tivesse uma componente industrial. Fazia parte do caderno de encargos. E em Angola são muito poucas as entidades com a capacidade industrial que a Carrinho tem. E por que é que isto é importante? Para garantir que a reserva fique apenas com o produto primário. Se deixássemos que viessem operadores sem capacidade industrial gerir a REA, quando é que teríamos capacidade para refinar o óleo alimentar, por exemplo? Quando é que teríamos a capacidade de refinar aqui o açúcar para depois ele estar na reserva? A Carrinho tem essa capacidade industrial. Eles ganharam essencial[1]mente por essa capacidade.

Embora grande parte deste projecto industrial da Carrinho tenha sido feito com garantias soberanas do Estado. Tiveram esse privilégio que outros não tiveram.

Ninguém mais nos procurou para saber se estávamos disponíveis para solicitar uma garantia soberana. Nós temos a linha do Deutsche Bank disponível para esses apoios, fizemo-lo com o grupo Carrinho, mas também faremos com qualquer outro grupo. Temos essa disponibilidade para quem quiser estruturar o seu negócio nesta base. Mas a linha do Deutsche Bank não é apenas a garantia soberana. A empresa tem de se chegar à frente com um terço. Um terço é garantia do Estado, outro terço dá o banco e o promotor fica também com um terço. Não é um cheque em branco, nem é a garantia total. É preciso "poder de fogo". Há algum grupo que tenha esse "poder de fogo" e que precise da garantia soberana? Se houver eu ajudo, não há problema nenhum.

Não teme que se esteja a criar um monopólio que, a médio e longo prazo, seja prejudicial para o País? Já tivemos uma altura em que havia um monopólio na farinha de trigo, por exemplo.

Acabou de dar a resposta. O mercado é concorrencial e regulou-se. Não foi preciso andar atrás deles e impedi-los de fazer o seu trabalho. Foi só abrir o mercado para que outros entrassem. Nós não podemos ir atrás das boas empresas e rebentar com elas para promover o bom mercado concorrencial. É preciso é criar condições de transparência para que existam outros operadores. Hoje existem 10 empresas que estão a produzir farinha de trigo.

(Leia o artigo integral na edição 713 do Expansão, de sexta-feira, dia 24 de Fevereiro de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)