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Paul Rusesabagina condenado a 25 anos de prisão

Figura heroica do genocídio ruandês e que inspirou o filme 'Hotel Ruanda'

De herói a vilão pode ser um lugar-comum, mas é também o que define Paul Rusesabagina, um herói durante o genocídio no Ruanda, em 1994, e que se tornou numa celebridade internacional devido ao "Hotel Ruanda", protagonizado por Don Cheadle, foi condenado a 25 anos de prisão por terrorismo

Paul Rusesabagina foi condenado, no Ruanda, a 25 de prisão por ter formado e liderado um grupo terrorista.

A poucos dias da sentença, Paul Kagamé disse publicamente que Rusesabagina tinha as mãos sujas de sangue, a sua condenação foi prévia, também por isso a sentença de 25 anos prisão, depois de meses e meses de julgamento, não surpreendeu ninguém, e, eventualmente, nem o próprio Rusesabagina, que já em Março deste ano tinha afirmado que não esperava justiça.

Ainda assim, o veredicto representou a conclusão de um capítulo na notável vida de Rusesabagina, que foi interpretado por Don Cheadle no filme "Hotel Ruanda".

Beatrice Mukamurenzi, a juíza do tribunal ruandês que leu a sentença, afirmou que a Frente de Libertação Nacional - um grupo armado liderado por Rusesabagina - foi responsável por ataques a civis no Ruanda e que envolveram assassinatos, saques, incêndios criminosos e assaltos.

A juíza referiu-se em especial a um vídeo, de 2018, no qual Rusesabagina dizia que "chegou a hora de usarmos todos os meios possíveis para realizar mudanças no Ruanda, já que os meios políticos foram todos tentados e fracassaram", como prova de sua culpa. E acrescenta que a ideia do grupo era o de espalhar o terror.

Os advogados de Rusesabagina, que, entretanto, se tornou cidadão belga e residia nos Estados Unidos, que lhe atribuiu a Presidential Medal of Freedom, argumentaram que não é evidente que a Frente de Libertação Nacional tenha cometidos actos terroristas e menos ainda que tenha sido liderada pelo próprio Rusesabagina. Para a defesa do ruandês tudo não passou de uma forma de neutralizar um adversário de Paul Kagame

"Este veredicto de culpado era conhecido desde o início", afirmou recentemente Anaïse Kanimba, filha de Rusesabagina. "Eles queriam silenciá-lo para o resto da vida. Ele tem 67 anos. E 25 anos é basicamente uma sentença de morte", acrescentou.

Os pais de Kanimba foram mortos durante o genocídio, tinha ela dois anos, e foi o tio Paul que a adoptou. E Rusesabagina é o mesmo homem que salvou mais de 1.200 pessoas no Hotel des Mille Collines, em Kigali, durante o genocídio de 1994, e que, nos últimos anos, tem sido um crítico das tendências autoritárias de Kagame.

O julgamento, que teve vários aspectos controversos, como, por exemplo, o facto de o tribunal não averiguar da credibilidade de muitas das testemunhas que depuseram contra Rusesabagina, gerou a condenação generalizada da comunidade internacional. Foram muitos os que pediram a libertação de Rusesabagina até por razões humanitárias.

Além de que ter o Presidente do Ruanda a dizer publicamente que Rusesabagina era culpado, violou a presunção de inocência e, de alguma forma, exerceu pressão sobre a justiça.

O julgamento e condenação de Rusesabagina não é caso único e está relacionado com um padrão que neutraliza todos os que se opõem a Paul Kagame, e que têm desaparecido em circunstâncias estranhas por vezes até fora do território ruandês - Quénia, Moçambique ou a África do Sul.

Phil Clark, professor de política internacional da SOAS University of London, que assistiu a algumas sessões do julgamento, em Kigali, afirmou que as provas que Rusesabagina doou fundos à Frente de Libertação Nacional são sólidas.

Yolande Makolo, porta-voz do governo de Ruanda, disse num comunicado que as provas contra Rusesabagina eram "indiscutíveis".

Kitty Kurth, porta-voz da Fundação Rusesabagina, disse que a família está preocupada com sua saúde. Ele foi mantido em confinamento por mais de 250 dias, sem luz ou material de leitura e com poucas visitas de seus advogados.

"Paul Kagame tem ciúmes de Paul Rusesabagina desde que o filme 'Hotel Ruanda' foi lançado", disse Kurth. "Na mente do presidente Kagame só há lugar para homem chamado Paul no Ruanda. É Paul Kagame, não é Paul Rusesabagina", afirmou.