Pobreza e desigualdade de rendimentos em Angola
A desigualdade económica é um fenómeno generalizado e para algumas correntes de pensamento acaba por ser inevitável. No entanto, se o agravamento da desigualdade não for objecto de monitoramento e alvo de políticas tendentes a recentrar a repartição do rendimento nacional dentro de parâmetros de eficiência e de justiça social, corre-se o risco de ocorrência de perturbações sociais sérias, desajustamentos económicos importantes e agitações políticas comprometedoras da estabilidade que o crescimento económico exige.
É o que se passa presentemente no País, não apenas como herança de políticas propositadamente geradoras de desigualdades (a acumulação primitiva de capital nos moldes em que foi realizada e patrocinada, teve como propósito praticamente único a criação de uma burguesia angolana endinheirada à custa do Estado), mas igualmente por desajustamento das diferentes políticas, modelos e programas definidos pela nova liderança e que não têm originado, no final da linha, nem melhoria de rendimentos, nem aperfeiçoamentos nos canais da sua distribuição.
Creio estar em fase de execução, com financiamento e assistência técnica do Banco Mundial, um projecto de transferência de parte do empréstimo de 2,1 mil milhões de USD (cerca de 14%) para a população em piores condições de vida e mais vulnerável (estimada em um milhão de pessoas) e cujo resultado esperado é o de se incrementar o rendimento familiar em cerca de 5.000 kwanzas por mês.
Pontualize-se que não se trata de distribuir ou redistribuir rendimento nacional - o que é muito mais exigente em matéria de políticas próprias e específicas - mas, tão-somente, de subsidiar a pobreza extrema dum universo populacional reduzido e durante um período de tempo muito curto (um ano), admitindo-se que o pior do ajustamento macroeconómico acontece apenas no espaço de 12 meses e que o crescimento da economia se retoma. O que na verdade tem pouco de verdade e de consistência teórica e verificação empírica, como os economistas sabem e espero que os decisores políticos angolanos também.
São dois os mais importantes indicadores de desigualdade de rendimentos: o coeficiente de Gini e a taxa de pobreza, para os quais e graças ao trabalho do INE já se dispõem de cifras. Para o primeiro tem-se um valor de 0,51 e para a segunda de 41%. O PDN 2018-2022 aponta para uma intenção do Governo em reduzir a pobreza no País de 36,6% para 25% no último ano da sua vigência. O que evidentemente não passa apenas de uma boa intenção.
Primeiro, porque a taxa de pobreza não é de 36,6% - muitos aspectos do plano têm de ser revistos e ajustados às novas realidades (taxa média de crescimento do PIB, taxa de desemprego, taxa de pobreza, etc.) e, em segundo lugar, porque o estado recessivo da economia (recessão produtiva desde 2015 e sistemática até 2019, prevendo-se a sua continuação em 2020 em cerca de 1,2%, previsão do CEIC-UCAN), não o permitir. Aligeirar de 36,6% (dado errado) para 25% a taxa de pobreza até 2022, não é, nem realista, nem possível do ponto de vista da política económica.
O PND 2018 desafia-se, através do manancial de políticas de intervenção pública corporizadas no PIDLCP (Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza), a baixar a taxa de pobreza para 25% em 2022. Não estão definidas políticas - convergentes, consistentes entre si e com variáveis de natureza económica - apenas sendo enumeradas muitas acções, sem quantificação. Por isso, não se encontra no PDN 2018-2022 resposta para as perguntas seguintes:
a) A que taxa média anual de crescimento deve evoluir o PIB para que em 2022 tal desiderato seja obtenível?
b) Nem tão pouco a quantidade de PIB a ser transformada em rendimento para ser redistribuída positivamente a favor da redução da pobreza, ou seja, não estão completamente especificados os processos de atribuição de subsídios, de educação e de outros activos que melhorem a capacidade de os pobres ultrapassarem as suas situações.
Uma aproximação linear, baseada num modelo simples de relacionação da taxa de pobreza com o crescimento do PIB e a elasticidade rendimento-pobreza, permite chegar às respostas seguintes:
a) Mantendo-se as elasticidades rendimento-pobreza, a taxa média anual de crescimento do PIB (para uma variação demográfica anual de 3,1 %, tal como estipulada nas Previsões Demográficas do INE até 2050) teria de se estabelecer em 11,5%, perfeitamente impossível de obter até 2022, não sendo necessárias razões justificativas (a mini-idade de ouro do crescimento económico em Angola - 2003-2008 - só aconteceu uma vez, irrepetível). Portanto, a meta do PDN 2018-2022 tem de ser alterada.
b) Taxas mais reduzidas de crescimento do produto - provavelmente melhor compatibilizadas com as reais e efectivas capacidades de crescimento no médio prazo (2025) - só combinadas com alterações expressivas nos canais, modelos e circuitos de redistribuição do rendimento, expressas, por exemplo, por um valor para a elasticidade rendimento-pobreza de -3,25. Uma verdadeira revolução social a favor dos pobres, evidentemente irrealizável com a complacência das classes médias, a quem, afinal, está reservado o papel mais importante de alteração dos tecidos produtivos nacionais e dos processos de acumulação produtiva do capital.
c) As duas matérias anteriores chamam a atenção para o gradualismo dos processos de transformação, onde se incluem os relativos à estabilização e reajustamento, que o Fundo Monetário Internacional pretende resolver em 2 ou 3 anos. As modalidades de intervenção do Banco Mundial na área social, em apoio do Programa do FMI, acabarão por ser meros paliativos face às necessidades de redistribuição do rendimento, que só modos de produção intensivos em trabalho - de preferência trabalho qualificado e especializado (para se resguardarem ganhos de produtividade para a competitividade nacional), que o Estado deve prover e incentivar, em associação com o sistema privado de produção - estarão habilitados a garantir. Ou seja, crescimento económico é fundamental, não havendo outras formas de reduzir a pobreza e melhorar a distribuição do rendimento.
d) As elevadas taxas de desemprego (31,8% e 56,5%, respectivamente global e da população 15-24 anos)(1) são um tremendo óbice para se melhorar a distribuição do rendimento e reduzir a incidência da pobreza. O florescimento do mercado informal (talvez mais apropriada a designação de economia informal, enquanto sistema integrado) é a única resposta possível para a população garantir a sua sobrevivência em limites estreitos e periclitantes.
Há muitos investigadores, analistas, académicos, políticos e empresários receosos que o Programa de Ajustamento e Estabilização com o Fundo Monetário Internacional possa constituir um novo choque sobre a economia e o sector social, dada a ortodoxia recorrente do seu modelo de proceder a ajustamentos, provocadores de inadaptações, desequilíbrios e recessões sociais dificilmente recuperáveis mesmo a longo prazo (corrigem-se os défices macroeconómicos e provocam-se instabilidades sociais, não havendo a certeza de que saldos fiscais e das contas externas positivos arrastem necessariamente crescimento do PIB de uma maneira consistente e sustentável; os investimentos privados também são incentivados/atraídos pelo crescimento das economias e não apenas pelos equilíbrios supracitados e mesmo pelos bons ambientes de negócios (2), dos quais fazem parte os ajustamentos anteriormente referidos).
Notas
1) INE - Indicadores de Emprego e Desemprego, Inquérito ao Emprego em Angola, Folha de Informação Rápida, IV Trimestre de 2019.
2) Os recentes acontecimentos em algumas cidades da África do Sul (Pretória e Joanesburgo) de xenofobia, racismo e desacatos mostram quão influenciáveis estes climas de negócios são pelas condições sociais e pela sua estabilidade, tendo esta evidente recessão social neste país da SADC levado alguns países (EUA e Reino Unido) a desaconselharem investimentos estrangeiros. A degradação social em Angola é um facto e só não vê quem continua a apostar nas virtudes destes Programas do FMI.