A transformação digital como factor de melhoria e fortalecimento das finanças públicas
A transformação digital das finanças públicas não é mais uma escolha, mas sim uma necessidade peremptória para governar com eficiência. Ela deve ser entendida como o processo que consiste em integrar a tecnologia digital em diversas áreas de uma organização, governo ou sociedade, com o principal objectivo de melhorar o desempenho operacional e a eficácia dos serviços prestados à sociedade, através da interoperabilidade sistémica automatizada de processos.
Em resposta ao desafio da transformação digital, Angola deu o primeiro passo decisivo em 2002, com a aprovação do Decreto Presidencial n.º 73/02, de 12 de Outubro, sobre os órgãos, as regras e as formas de funcionamento do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE).
O segundo marco histórico fiscal-aduaneiro foi a implementação do Taxpayer Information Managament System (TIMS) e dos Sistemas de Gestão (SGs), que foram posteriormente substituídos, em 2003, pelo Automated System for Customs Data (ASYCUDA) e pelo Sistema Integrado de Gestão Tributária (SIGT).
Estes sistemas permitiram a Angola dar os primeiros passos no acompanhamento da execução orçamental, consolidação das receitas, das despesas e saldos orçamentais, através da automatização de processos administrativos, registo das despesas e pagamento de impostos.
Fruto desta transformação digital, o país evoluiu positivamente, entre 2003 e 2024, no Índice(1) de Desenvolvimento de Governo Electrónico das Nações Unidas, conforme o gráfico abaixo.
A evolução de Angola neste índice foi marcada pela expansão gradual dos serviços online, digitalização do sistema fiscal, transformação de governo digital, melhorias significativas nas infraestruturas e interoperabilidade sistémica sectorial.
Essa evolução foi impulsionada fundamentalmente por intermédio de parcerias estratégicas com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Banco Mundial (BM) e a implementação de projectos para a transformação digital do sector público, nomeadamente o Angola Digital Acceleration Project (PADA), a Agenda Digital Governo.ao 2027 e a adopção de Arquitectura Global de Interoperabilidade da Administração Pública.
Todos estes projectos implementados desde 2002 até à presente data visam tão somente garantir melhorias na gestão administrativa, eficiência nas finanças públicas, maior transparência e proximidade entre o Governo, os cidadãos e as empresas.
Todavia, as dinâmicas sociais, económicas e históricas de Angola colocam perante o guardião das finanças públicas incontornáveis desafios de transformação digital dos seus serviços, por conta da sua missão fundamental que é o equilíbrio das contas públicas, a promoção racional dos recursos financeiros e patrimoniais públicos.
Estes desafios prendem-se fundamentalmente com baixas habilidades digitais dos recursos humanos públicos, resistência à mudança, fraca segurança cibernética e baixa literacia digital entre contribuintes. Devido aos baixos investimentos nestas áreas, a transformação digital tende a ser tardia, prejudicando gravemente o Estado na sua capacidade de arrecadar receitas e cumprir plenamente as suas funções.
O desenvolvimento destas habilidades e cultura digital entre os funcionários públicos são necessárias e fundamentais para fomentar o entendimento de que a transformação digital não é uma questão meramente técnica, mas uma realidade transversal que se impõe e que deve ser abordada com habilidades que vão muito além dos domínios técnicos e financeiros.
Neste contexto, a implementação sustentável de sistemas de transformação digital, que visam melhorias nos actos administrativos e o fortalecimento das finanças públicas, constituir-se-á no principal desafio de Angola nos próximos anos. Ou seja, o processo de digitalização, sistematização de todos os actos administrativos e mecanismos de arrecadação e gestão das finanças públicas é, e será, um dos principais desafios a ser vencido nos próximos anos.
Alguns passos positivos, designadamente o Portal do Munícipe, o Portal de Compras Públicas, o Portal do Imposto Predial e o Portal do Contribuinte da Administração Geral Tributária, já têm sido dados como referência para contrapor tais desafios e alavancar a capacidade de arrecadação de receitas e melhoria na relação entre o Governo e os contribuintes.
A evolução dos referidos portais reforça a urgência de desenvolvimento de uma estratégica integrada de acção institucional, que visa implementar uma política digital, assente nas capacidades e habilidades digitais dos stakeholders.
Essa urgência estratégica deve reconhecer a relevância de sectores públicos fundamentais e priorizar o desenvolvimento de políticas específicas de digitalização do sector público, fundamentadas numa estrutura jurídica específica, ajustada à realidade angolana e alinhada à estratégia de um governo digital, capaz de massificar a cultura digital entre os servidores públicos.
A priorização de políticas específicas proporcionará ao Estado obter ganhos como maior alcance populacional na arrecadação, redução de erros contábeis, melhor economia de tempo, maior controlo das receitas e despesas públicas. Ao mesmo tempo que poderá prevenir três grandes imperfeições: o combate à corrupção, a evasão fiscal e o fortalecimento das finanças públicas.
A corrupção, enquanto uso indevido de poder público ou institucional para a obtenção de benefícios pessoais ou grupos à custa do interesse colectivo ou da legalidade, deve ser combatida de diversas formas e a transformação digital assume, neste contexto, um papel crucial no combate e controlo deste mal que enferma as sociedades.
Leia o artigo integral na edição 848 do Expansão, de sexta-feira, dia 17 de Outubro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)
*Wilson Fonseca Economista e Investigador