Tutela do Ministério das Finanças é um risco à independência
A entidade pública propõe uma revisão do seu estatuto orgânico, para elevar a ARC à categoria de outras congéneres internacionais.
O tema da autoridade real, financiamento e limites de actuação das chamadas autoridades administrativas independentes tem vindo a ganhar espaço na agenda política. A Autoridade Reguladora da Concorrência (ARC) não está à margem do debate, como é visível no plano estratégico 2025-2029, disponível no website oficial daquele organismo. No documento, no capítulo referente às "Ameaças", a ARC, que é tutelada pelo Ministério das Finanças, é taxativa: "Este poder de supervisão torna limitado o desempenho de funções como autoridade reguladora, supervisora e sancionatória independente".
A entidade pública propõe uma revisão do seu estatuto orgânico, para elevar a ARC à categoria de outras congéneres internacionais, "retirando-lhe todos os aspectos legais que possam limitar o exercício independente das suas funções."
Na opinião de Gaspar Micolo, a "ARC ainda não é independente, embora seja essa a intenção do actual Conselho de Administração".
"É um problema que norteia a maior parte das agências, que têm infelizmente a natureza de institutos públicos. É o mesmo ente público que, fazendo parte do Governo, avalia o impacto na concorrência de políticas públicas e emite recomendações ao próprio Governo, às autoridades reguladoras sectoriais e a outras entidades públicas. Não podendo sancionar, a ARC limita-se a fazer estudos e recomendações quando se trata de um ente público, como consta da lei, que precisa urgentemente de ser alterada", defende o jurista.
"Se o órgão regulador não tiver os recursos humanos, técnicos ou independência para sustentar decisões frente a pressões políticas, então a autoridade reguladora corre o risco de ver a sua legitimidade ou eficácia reduzida", sublinha Gaspar Micolo.
As fraquezas assinaladas pela própria ARC no seu plano estratégico para os próximos quatros anos incluem ainda a insuficiência de autonomia financeira e a falta de quadros especializados em matéria de concorrência. Ao nível das ameaças à sua actuação, a ARC registou a "morosidade do sistema judicial comum e inexistência de jurisdição especial de regulação de concorrência" e o fraco conhecimento sobre a ARC e sobre "as normas de concorrência" por parte dos diferentes actores económicos.
As políticas económicas aplicadas no País também têm efeitos directos na actuação das instituições de regulação, sobretudo em temas como a concorrência.
"O sucesso e desempenho da ARC dependem da relevância que os poderes Executivo, Parlamentar e Judiciário (Ministério Público e Tribunais) atribuem às questões relacionadas à concorrência. Deste modo, é imperativo que dentro das políticas económicas seja dada uma especial atenção à sensibilização desses poderes", assinala a ARC, "tendo em conta que é fundamental para o funcionamento eficiente de uma economia de mercado, melhoria do ambiente de negócios e ao aumento da competitividade que conduz à diversificação económica e ao alcance pretendido do desenvolvimento sustentável".