Ecossistemas: Por que o valor está em construir plataformas, não apenas soluções
A experiência internacional mostra que, quando bem implementadas, as plataformas digitais podem acelerar o desenvolvimento económico, promover a inclusão social e posicionar países inteiros como referências em setores estratégicos.
Durante muito tempo, a consultoria empresarial foi vista como uma atividade focada na entrega de soluções pontuais para problemas específicos. O consultor era chamado, diagnosticava, propunha um plano e, muitas vezes, partia assim que o projeto era implementado. Este paradigma, embora tenha sido eficaz em muitos contextos, começa hoje a revelar as suas limitações perante a complexidade dos desafios atuais e a crescente interdependência dos mercados. No mundo digital, onde a inovação ocorre em rede e a colaboração é um fator- -chave de sucesso, o verdadeiro valor está para além da solução isolada, com um grande foco na capacidade de construir plataformas e ecossistemas digitais robustos, capazes de gerar valor de forma contínua e integrada.
Uma plataforma digital é, essencialmente, um ambiente tecnológico aberto, escalável e colaborativo, onde diferentes actores, empresas, fornecedores, clientes, parceiros e até concorrentes, podem interagir, partilhar dados, desenvolver novos serviços e criar oportunidades de negócio até então inimagináveis. Ao contrário das soluções fechadas, que resolvem problemas muito específicos, as plataformas têm a capacidade de agregar múltiplos serviços e funcionalidades, permitindo a sua expansão e adaptação ao longo do tempo. Exemplos internacionais como a Amazon Web Services (AWS), Salesforce, Alibaba ou Mercado Livre mostram como estas infra-estruturas podem revolucionar sectores inteiros, promovendo inovação aberta, dinamizando cadeias de valor e acelerando a digitalização de economias.
Em Angola, este conceito começa a ganhar tracção, ainda que de forma embrionária. A plataforma SIRIS, por exemplo, oferece dashboards de gestão agrícola, mas também evoluiu para um verdadeiro ecossistema digital, onde produtores, distribuidores, financiadores e até agências governamentais podem colaborar, trocar informação em tempo real e tomar decisões baseadas em dados partilhados. Este tipo de abordagem multiplica o impacto da tecnologia, pois cada novo utilizador ou parceiro acrescenta valor à rede, tornando a plataforma mais útil e resiliente para todos os envolvidos. Esta lógica de "efeito de rede" é um dos grandes motores de crescimento das plataformas digitais e um dos principais argumentos para que a consultoria empresarial evolua de fornecedora de soluções para construtora de ecossistemas.
A construção de plataformas exige, no entanto, uma mudança profunda na forma como as empresas e os consultores abordam a inovação. Em vez de pensar em projetos isolados, com princípio, meio e fim bem definidos, é necessário adotar uma visão de longo prazo, focada na criação de infraestruturas tecnológicas flexíveis e adaptáveis. Isto implica investir em interoperabilidade, ou seja, garantir que os diferentes sistemas e aplicações conseguem comunicar entre si e partilhar dados de forma segura e eficiente. Implica também desenhar modelos de governance claros, que definam as regras de participação, partilha de valor e proteção da propriedade intelectual dentro do ecossistema. E, acima de tudo, implica fomentar uma cultura de colaboração e confiança, onde todos os participantes reconhecem que o sucesso individual depende do sucesso coletivo.
Do ponto de vista técnico, construir uma plataforma é um desafio exigente. É necessário dominar arquitetura de sistemas, cloud computing, integração de APIs, segurança de dados e, cada vez mais, inteligência artificial e análise avançada de dados. Os consultores passam a ser verdadeiros "ecossistema builders", capazes de orquestrar equipas multidisciplinares, gerir projectos complexos e adaptar as soluções às necessidades dinâmicas dos utilizadores. Este papel é particularmente relevante em mercados emergentes como o angolano, onde a escassez de infraestruturas digitais e a fragmentação do tecido empresarial tornam ainda mais valiosa a existência de plataformas que agreguem e dinamizem o ecossistema local.
No entanto, a transição para uma lógica de plataformas não está isenta de obstáculos. Em Angola, persistem desafios significativos ao nível da infraestrutura tecnológica, da formação de talentos digitais, da regulação e, sobretudo, da cultura empresarial. Muitas empresas ainda operam de forma isolada, receosas de partilhar informação ou de integrar os seus processos com os de outros agentes. Esta resistência pode ser superada através de políticas públicas que incentivem a inovação aberta, da criação de ambientes regulatórios favoráveis e do apoio a projectos-piloto que mostrem o valor das plataformas na prática. A experiência internacional mostra que, quando bem implementadas, as plataformas digitais podem acelerar o desenvolvimento económico, promover a inclusão social e posicionar países inteiros como referências em setores estratégicos.
Leia o artigo integral na edição 848 do Expansão, de sexta-feira, dia 17 de Outubro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)
*Sandra camelo, COO, TIS