Analogia, afinidades e… analogias
Duas das principais empresas de bandeira portuguesa estão a atravessar momentos difíceis na sua existência, a TAP - Transportes Aéreos de Portugal e a PT - Portugal Telecom, que estão, para os portugueses, como para nós, angolanos, estão a Sonangol, a TAAG e a Endiama, que são as marcas do País além-fronteiras.
A PT já deixou de ser pública há algum tempo, quando o Estado português iniciou o processo de alienação (mas, cá para nós, preferimos dizer privatização) em 1995, pondo fim a este processo de 16 anos com a venda das 500 golden shares em 2011, que davam ao Estado português poderes especiais de veto em negócios passíveis de lesar o interesse nacional.
Hoje, o que aflige o Estado português é a PT estar à beira de trocar de mãos, por conta de investimentos mal conseguidos em empresas da família Espírito Santo, que levaram à queda abismal das acções da empresa na Bolsa de Lisboa, aguçando assim o apetite dos verdadeiros papões do mercado, que, muito bem e em boa altura, lançaram ofertas públicas de aquisição sobre a empresa PT SGPS, que detém a PT.
A verdade é que a PT continua a prestar os seus serviços ao público português, com mais de 100 milhões de clientes e, por conseguinte, com vários postos de trabalho em Portugal e nos países onde opera. É muito importante ao Estado português acompanhar o desenrolar desta história porque, se a PT estiver em mão de investidores que a qualquer momento decidam cortar postos de trabalho indiscriminadamente ou elevar o preço dos seus serviços (mesmo com concorrência de peso), poderá desencadear tensões sociais e dificuldades para as empresas que dela dependem para muitos serviços.
É de capital importância para o Estado português, já que, ao fim do dia, terá sempre de ser chamado a resolver a situação, aumentando as transferências sociais para os desamparados deste processo, os desempregados, que, automaticamente, devem receber as compensações sociais.
O caso da TAP é hoje, literalmente, um daqueles casos em que se pode dizer: vendem-se (vão-se) os anéis e ficam os dedos! Pois, a situação é tão grave, que, se não se abrir mão do capital social da TAP, a empresa corre o risco de falir, levando consigo uma série de postos de trabalho e uma marca de que muitos portugueses se orgulham.
O governo daquele país decidiu dar início ao processo de privatização da companhia portuguesa, que atravessa dificuldades financeiras, com dívidas de mais de 125 mil milhões Kz e com grandes problemas operacionais, e é precisamente aqui que reside o problema, pois se a empresa não consegue, através do seu objecto social, ou seja, pelo objectivo da sua criação, obter receitas que cubram os seus custos, então temos, aqui, sim, um grave problema.
Apesar de todos os activos em condições operacionais, tais como os recursos humanos e imobilizados corpóreos e incorpóreos, a empresa parece não conseguir gerar recursos para honrar as suas responsabilidades com fornecedores e financiadores. Rapidamente poder-se-á vaticinar que a actividade de exploração ou operacional está a ser mal dirigida.
A partir do momento em que a empresa não consegue honrar as suas responsabilidades de médio e longo prazo, denota falta de solvabilidade, compromete os potenciais investidores, bem como a vontade dos accionistas em aplicar mais capital na empresa.
Mas pensamos que o caso da TAP poderá evoluir para situações mais gravosas. Poderão surgir, num futuro próximo, problemas de liquidez, que resultam da incapacidade de honrar os seus compromissos de curto prazo, ou seja, poderá vir a estar perante dificuldades em pagar a fornecedores de matéria-prima e saldar créditos de curto prazo.
Como se tem dito, a empresa que não vende não paga custos ou, ainda, os custos pagam-se com as vendas. Quando já se está a contrair créditos para pagar custos de qualquer natureza, estamos a meio passo do abismo e, sendo assim, as empresas que não cumpram com aquelas máximas estão condenadas a fechar. E empresas como a TAP não fecham ou não devem fechar, como bem disse Henry Paulson: são too big to fail (demasiado grandes para cair).
Por este e outros motivos, o Governo português preferiu prevenir a correr atrás do prejuízo, vendendo a empresa agora, que a situação não está de todo complicada, a um preço de mercado mais saudável, ao passo que, se prolongar a situação, poderá ter de a vender ao desbarato, ao preço dos aflitos, apenas para manter postos de trabalho e salvaguardar o que se puder do investimento público feito.
O que se pretende com esta retrospectiva da experiência estrangeira é mostrar as opções e consequências que a governação tem quando se depara com empresas de capital público que são tecnicamente ineficientes, e nós, aqui em Angola, não fugimos à regra, temos empresas ainda de capital público que não vendem o suficiente para pagar os seus custos.
Adicionando o facto de os grandes produtores petrolíferos terem deixado de estar dispostos a limitar as suas ofertas, forçando a descida do preço do ouro a níveis preocupantes para países como o nosso - que depende em mais 75% de receitas provenientes directa e indirectamente do sector petrolífero -, teremos de mudar de estratégia, ao ponto de ponderar a alienação do que nos é mais precioso.
É inevitável que muitas empresas públicas tenham problemas de gestão, pois o Estado é talhado, mesmo pelo próprio pacto social, para governar, e não para ser empresário e, quando assim é, as empresas tornam-se ineficientes, e o Estado é obrigado a injectar constantemente dinheiro em detrimento dos seus encargos sociais, que são a sua real função.
A lição do vizinho tem que ver com a coragem de entregar ao privado o que não é sustentável para o Estado, este terá de escolher se prefere manter um sector público ineficiente, pagando do seu bolso os custos desta ineficiência, mantendo empregos quase precários e prestando péssimos serviços, ou privatizar (o que não for estratégico) e esperar que a gestão privada seja mais bem conseguida (pois deverá ser profissional) gerando mais receitas e postos de emprego e, por consequência, maior arrecadação fiscal.
Rui Malaquias, Mestre em Finanças, docente universitário