As dissonâncias dos discursos da produção do sal
A produção do sal no nosso país continua deficitária. Muito se tem dito sobre o assunto e há mesmo algumas iniciativas que parecem dar algumas indicações mais alentadoras. Porém, alguns empresários nacionais que produzem o sal continuam a enfrentar dificuldades de comercialização diante do mesmo produto importado. No início do ano um empresário do Namibe lançou um grito de socorro para salvar a produção do sal naquela província.
Ao analisar o contexto da produção do sal nacional aquele grito de salvação, vem-me à memória uma interessantíssima obra do moçambicano Elísio Macamo. No seu livro o abecedário da nossa dependência o académico diz que uma das funções da língua é a de fazer coisas. E, continua, " ... há três coisas que acontecem quando falamos: falamos, comunicamos algo e produzimos efeitos". É exactamente isso que o alerta vindo do Namibe nos traz. Ao pedir socorro do governo para proteger o sal nacional, oempresário quis dizer três coisas: 1) que as empresas de produção do sal estão em crise e podem fechar as portas e os donos atirados à desgraça; 2) que vários angolanos vão para o desemprego; 3) que o sal do Namibe é tão bom quanto o outro, mas está lá a hibernar nos armazéns e salinas, e o governo não faz nada.
Ora, é curioso que tudo isso ocorra, exactamente, num contexto em que outros empresários desenvolvem diligências para investir nesta mesma área fadada ao fracasso, no Namibe. O Jornal de Angola, de 27 de Julho de 2013, nota que a Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP) assinou vários contratos de investimentos.
Na notícia veiculada naquele diário, sobressai que uma empresa denominada Salinas Tchiome vai investir mais de 29 milhões de dólares dos EUA para a produção do sal, na Baía Farta, em Benguela. Na verdade, o que parece intrigante naquela informação é que num mesmo período e num mesmo mercado, alguns choram desesperados, vêm tudo escuro, enquanto outros vêm tudo claro e óptimas oportunidades de negócios. Enfim, são as incongruências mercantis. Analisando a notícia do jornal de Angola pode concluir-se que as lamúrias do Namibe são infundadas e revelam alguma falta de iniciativa própria. Mas, aquele contrato de investimento, para a produção do sal, do jornal de Angola do dia 27 de Julho deixa-nos, também, outras mensagens. Em Abril de 2013, numa visita à província do Namibe, a ministra das Pescas, Victória de Barros, garantiu que o plano de desenvolvimento económico e social, para o quinquénio 2013-2017, prevê investimentos no sector do sal.
Em Julho, a ministra voltou a reafirmar o empenho do Executivo neste sentido. Hoje, parece-nos fundamental essa ajuda aos produtores do sal nacional. Mas, algum dia, isso não poderá continuar. Não é função do estado ajudar a enriquecer quem quer que seja.
Mas, enfim, como a desgraça do nosso sal vem dos primeiros anos da República, quando toda a nossa economia se desestruturou, pode haver algum desconto. Foi, a partir daí, que o nosso sal ficou burro. De lá para cá o azar nunca mais parou. Naquele período, nas décadas de 70 e 80, as nossas salinas do Ambriz, no Bengo, da Canata e da Baía Farta, em Benguela e do Porto Amboim, no Kwanza-Sul, desfaleceram.
Algumas ficaram moribundas e procuraram sobreviver. Outras não resistiram ao vendaval do tempo. De Cacuaco, coitadinhas,foram empurradas ao mar pelas intempéries da natureza. Do Namibe, como vimos, resistem, de cal e pedra, as indolências do produto frente ao importado e, por isso, de lá o sal não vê caminhos. O que se passa, com o nosso sal, é desastroso. Aliás, Deus deve estar a rir-se de nós. É como quem dissesse, - dei tudo de bandeja a esses ineptos, não sei o que mais querem! Oiço, vezes sem conta, alguns empresários afirmarem que ao investirem, em território nacional, fazem-no porque são patriotas, gostam deste país e só por isso o fazem. Tenho reservas quanto a isso.Não acredito que quem o faz, fá-lo por piedade aos que pouco têm. Penso que o interesse primário é outro. Por isso, continuo céptico e olho para os apelos, que vêm do Namibe, um pouco à dois sentidos: o primeiro, a incapacidade de se mover num mercado competitivo onde as regras são impostas pelas leis da procura e da oferta; o segundo à proteccionismo. No Namibe, os produtores do sal são ousados a produzir, mas amorfos em outros quesitos, face a concorrência externa. E isso não se faz apenas chorando. As dissonâncias dos discursos mostram a adversidade do mercado e é justo que alguma coisa se faça. No Namibe há produção de sobra. Eles começaram, é preciso continuar. Talvez a solução seja a subvenção, da produção, do nosso sal para quebrar o importando pelo preço. Estou a rezar para isso.
O proteccionismo e a subvenção valem, mas não são paradigmas da economia neoliberal. Protegendo a nossa produção nacional, o governo fortalece o empresariado nacional, valoriza o produto nacional e amplia o mercado do emprego. Mas, até quando? Não há dúvidas que, ao assumir essa responsabilidade, o estado livra-se, também, da carga social de famílias vulneráveis à fome e a pobreza. Mas, o mercado nem sempre funciona com a lógica política.
Vou ser mais claro: os nossos empresários devem acostumar-se a ousar mais. O estado tem obrigações, deve ajudá-los a navegar, mas não pode nem deve ajudá-los a remar. Em todo caso, continuo a vibrar para que a produção do sal nacional renasça.