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Opinião

Proteger para produzir ou produzir para proteger?

MILAGRE OU MIRAGEM?

A governação deveria basear mais as suas decisões na evidência empírica, particularmente naquela produzida através de estudos feitos no país (tendo outros contextos como exemplo) e menos em dumb rules (regras sem sentido)!

Recentemente ficou patente na imprensa a existência de uma desarticulação sectorial no Executivo. Vimos a notícia segundo a qual parece haver um desentendimento entre o Ministério da Agricultura e o da Indústria e Comércio no que toca à proibição da importação de coxas de frango. Hoje, mais do que dizer neste caso concreto quem (não) tem razão, vamos tratar de olhar para a evidência empírica.

Como é que os Estados podem incentivar a produção local de bens e serviços, com especial ênfase para aqueles de amplo consumo? A teoria económica ensina-nos pelo menos duas formas de fazer isso. Os incentivos podem ser dados ex-ante, isto é, antes do evento acontecer ou ex-post, depois do evento. A história também nos ensina que os incentivos (que o protecionismo gera) são melhores rentabilizados quando dados ex-post. Quando a proteção é dada antes de se produzir, a evidência empírica indica (na maior parte dos casos) que os produtores relaxam e não fazem um esforço para se tornarem competitivos e conquistar os mercados externos, como foi o caso recente da Coreia do Sul e da China. Mas ao invés de nos socorrermos de exemplos de outros países, vamos tratar de apresentar o caso da indústria cimenteira, baseado num estudo feito por nós, no Centro de Investigação Social e Económica da FEC-UAN.

Em 2002, Angola tinha duas fábricas de cimento, a Encime, hoje SECIL, no Lobito, e a Cimentos de Angola (CIMANGOLA), em Luanda. O País tinha na altura uma capacidade produtiva instalada de cerca de 700.000 ton/ano. Em 2007 o Governo aprovou a Lei n.º 3/07 de 3 de Setembro, a "Lei de Bases do Fomento Habitacional", que colocou em marcha a "Política do Governo para o Fomento Habitacional" aprovada pelo Conselho de Ministros em 2006, através da Resolução N.º 60/06 de 4 de Setembro. Essa legislação despoletou a necessidade de se liberalizar a importação de materiais de construção, formalizada através do Decreto Lei 24/09de 11 de Dezembro, com vista à implementação desta política.

Em teoria, essa iniciativa governamental deveria "matar" a indústria cimenteira existente no País, mas o que aconteceu foi exactamente o contrário! O aumento das importações mostrou aos potenciais investidores angolanos a oportunidade que existia no sector que foi prontamente aproveitada. Vimos a modernização e expansão da capacidade produtiva nas unidades existentes e foram feitos novos investimentos de raiz. Desta forma surgiram as seguintes unidades fabris: CIF-Angola, Fábrica de Cimento do Kwanza Sul (FCKS) e a CIMENFORT em Benguela, totalizando cinco (5) unidades produtivas. Destas apenas a CIMANGOLA, a CIF e a FCKS produzem clínquer e cimento, i.e., são o que os especialistas chamam de fábricas integrais. A SECIL e a CIMENFORT são chamadas de moageiras já que apenas moem o clínquer e adicionam outros materiais para produzirem o cimento. Fruto desta iniciativa a capacidade produtiva da indústria cimenteira em Angola passou das 700.000 ton/ano para as actuais 8 milhões ton/ano de cimento e 6 milhões ton/ano de clínquer. Que lições podem ser tiradas deste caso?

O aumento da importação de cimento que se verificou depois da liberalização, mostrou aos investidores nacionais a enorme oportunidade latente na indústria cimenteira. Aqueles que souberam tirar proveito desta situação, beneficiaram igualmente da Lei n.º 14/03 de 18 de Julho de 2003, Lei do Fomento do Empresariado Angolano, que assegurou o financiamento desses investimentos. As fábricas tiveram de concorrer entre si e contra as importações, i.e., elas tiveram que rapidamente melhorar a qualidade do seu produto para competir e conquistar o mercado. A protecção via Pauta Aduaneira apenas surgiu em 2014 quando o processo já estava completo. Todavia, depois de 2017, a governação não tem sido capaz de ajudar a reduzir os custos de produção da indústria nacional, o que não permite a rápida expansão e conquista de mercados externos como seria desejável. Como resultado, Angola tem hoje um consumo pouco acima de 2 milhões de ton/ano e uma capacidade instalada ociosa de perto de 6 milhões de ton/ano!

Enfim, este exemplo de sucesso mostra o caminho a seguir para o caso das coxas de frango. A governação precisa de converter os grandes importadores em "campeões da produção". Notem que não é preciso serem eles a produzir, mas, os importadores de hoje podem desafiar os produtores existentes no mercado a aumentarem e melhorarem a qualidade do que produzem, incentivando o surgimento de novos produtores. Tal como no caso do cimento é preciso mobilizar financiamento (interno e externo) para o empresariado nacional, preferencialmente condicionado ao desempenho em termos de volume de produção, qualidade do produto, postos de trabalho, receitas fiscais e conquista de novos mercados externos.

Leia o artigo integral na edição 823 do Expansão, de sexta-feira, dia 25 de Abril de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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