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Opinião

A crise cambial e os contratos bancários em Angola

Opinião

É, pois, urgente a intervenção dos tribunais, do BNA e de outras entidades que comparticipam na gestão dos contratos de mútuo para que os encargos decorrentes da depreciação do kwanza sejam suportados por aqueles que de facto têm as impressões digitais ligadas à perda do valor da moeda nacional: o kwanza.

Aos 26 de Abril de 2019, por intermédio do Instrutivo n.º 4/2019, de 26 de Abril, o Banco Nacional de Angola (doravante designado por BNA), no uso das suas competências deliberou que a taxa de esforço, nos contratos de mútuo bancário, não poderia ser superior a 40% do rendimento líquido dos mutuários. (vide n.º 1.4 do instrutivo supramencionado). À data da publicação do aludido instrutivo, no ano de 2019, segundo o site do BNA, cada dólar americano custava 319,041 kwanzas.

Ora, se o Kwanza desvalorizou em aproximadamente 185,85% em relação ao dólar, significa que quem tiver um contrato de mútuo junto de qualquer instituição bancária terá de mobilizar mais de 40%, previsto à data da publicação, para honrar os compromissos decorrentes do contrato de mútuo celebrados com instituições bancária, vide dados disponibilizados no site do BNA: https:// www.bna.ao/#/pt/mercados/ mercado-cambial/taxas-cambio. Para melhor compreensão, vejamos um exemplo prático:

Em 26 de Abril de 2019, um mutuário com um rendimento de 1.000.000,00 Kz (um milhão de kwanzas) que equivalia a 3.134,39 USD (três mil, cento e trinta e quatro dólares e trinta e nove cêntimos) a sua taxa de esforço de 40% correspondia a 1.253,75 USD (mil, duzentos e cinquenta e três dólares e setenta e cinco cêntimos).

Hoje, a 31 de Março de 2025, o mesmo rendimento de 1.000.000,00 Kz (um milhão de kwanzas) equivale a apenas 1.096,49 USD (mil e noventa e seis dólares e quarenta e nove cêntimos) e a taxa de esforço de 400.000,00 Kz (quatrocentos mil kwanzas) reduziu para 438,59 USD (quatrocentos e trinta e oito dólares e cinquenta e nove cêntimos).

Se o contrato estiver indexado ao dólar, o mutuário que anteriormente pagava 1.253,75 (mil, duzentos e cinquenta e três dólares e setenta e cinco cêntimos) "que equivalia a 399.999,99 Kz (trezentos e noventa e nove mil, novecentos e noventa e nove kwanzas e noventa e nove cêntimos)" precisa hoje de 1.143.426,07 Kz (um milhão, cento e quarenta e três mil, quatrocentos e vinte e seis kwanzas e sete cêntimos) para cobrir a mesma obrigação.

A resolução dessa quezília contratual mobiliza o chamamento de dois institutos jurídicos sobejamente conhecidos e enraizados na nossa cultura jurídica, que, curiosamente, defendem posições diametralmente opostas.

O primeiro é o conhecido "Pacta Sunt Servanda" que, se socorrendo do previsto nos arts. 405.º e 406.º ambos do Código Civil (doravante denominado CC) advoga o cumprimento escrupuloso do contrato; ou seja, ao mutuário se exige que desembolse os valores necessários para honrar com os compromissos decorrentes do contrato de mútuo, ainda que ultrapasse os 40% da taxa de esforço previsto à data de publicação, que, de acordo com o instrutivo do BNA, é o limite máximo que se pode exigir de qualquer mutuário.

Defendendo uma posição completamente diferente àquela mencionada acima, vem o princípio "Rebus Sic Stantibus" defender que, se as condições pré-existentes à data da celebração dos contratos, sejam eles quais forem, tiverem sofrido fortes alterações, pode qualquer uma das partes, pedir a sua alteração, modificação ou resolução dentro dos princípios da boa-fé e da equidade.

No nosso ordenamento jurídico, o princípio acima mencionado merece consagração legal no art.º 437.º do C.C; e tem sido usado como argumento para a modificação ou resolução de muitos contratos duradouros, dentre os quais se destaca o do mútuo bancário.

É que, há largos anos que o kwanza tem vindo a sofrer um desgaste acentuado, fruto, dentre outras razões, da crise inflacionária que se abate sobre a economia angolana, do excesso de moeda em circulação que, por sua vez, é culpa do descontrole das despesas públicas. Ora, voltando à taxa de esforço, voltando aos 40% do limite máximo fixado pelo BNA, somos obrigados a concordar que o aludido instrutivo se encontra, hoje, desajustado, na medida em que, desde a data da sua publicação até ao momento, a moeda já se desvalorizou ao ponto dos 40% antes fixado como limite máximo se encontrar hoje completamente "desajustado". Esperava-se dos tribunais uma rápida e urgente resolução nas várias contendas de natureza mutuária que são remetidas aos nossos tribunais.

Infelizmente, também naquela instância, as contendas não são resolvidas com a celeridade que se esperava.

Resultado!

Os créditos mutuários, sobretudo de natureza bancária, vem engrossando a lista dos créditos malparados; quando, na verdade, são créditos mal concedidos, mal contratualizados, mal gerenciados.

É, pois, urgente a intervenção dos tribunais, do BNA e de outras entidades que comparticipam na gestão dos contratos de mútuo para que os encargos decorrentes da depreciação do kwanza sejam suportados por aqueles que de facto têm as impressões digitais ligadas à perda do valor da moeda nacional: o kwanza.

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