Em tempos difíceis não se concebem excentricidades
Em África, alguns países lutavam ainda pelas suas independências. Sessenta anos depois o nosso problema persiste, e não é o consumismo, mas as dificuldades de acesso da população, principalmente, à cesta básica. Os desafios são enormes. As independências não trouxeram para o continente o alívio sonhado que tanto alimentou as esperanças.
Na década de 1960 as "sociedades de consumo" foram alvo de críticas académicas nos países desenvolvidos. Por lá, o aumento das desigualdades sociais, foram, literalmente, as consequências das políticas neoliberais.
A desindustrialização, a precarização do trabalho, o desemprego e a incapacidade do mercado em absorver a crescente população activa, não qualificada perante os extraordinários avanços da tecnologia, foram o estopim da desgraça social.
Em África, alguns países lutavam ainda pelas suas independências. Sessenta anos depois o nosso problema persiste, e não é o consumismo, mas as dificuldades de acesso da população, principalmente, à cesta básica. Os desafios são enormes. As independências não trouxeram para o continente o alívio sonhado que tanto alimentou as esperanças.
Angola também faz parte deste leque de países imersos em dificuldades, travado pelo tempo, à procura de saídas. Ao longo destes anos o País atravessou ciclos turbulentos de dificuldades políticas, económicas e sociais, também de aura económica que não foi suficientemente aproveitada.
Hoje, vivemos o martírio económico e social e, apesar das lições das crises de 2008 e 2014, há um campo fértil de lamentações resignadas, sem bússola, batendo à porta, reflectindo o cansaço profundo que afrouxa as presilhas da saturação.
As medidas económicas anunciadas no dia (14.07.23), a redução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) sobre os bens alimentares de 14 para 7%, para desagravar o custo de vida, incluída num vasto pacote que prevê estímulos ao crescimento da economia, mostra, também, evidencias da imprescindível regulação e contenção das excentricidades no sector estatal.
Para um país pobre, improdutivo, com grande parte da sua população mal escolarizada e qualificada, onde há menos gente a produzir bens e serviços e mais gente a consumir, essas medidas de austeridade, do equilíbrio fiscal e da contenção de gastos devem fazer parte de um cardápio económico do Executivo, permanente e amplo.
Não se concebem nem se aceitam, por exemplo, os gastos excessivos com a compra de viaturas dos órgãos públicos, caríssimas, que desfilam nas estradas das nossas cidades, quando se deveria optar por outras, talvez mais baratas e modestas. As medidas de simplificação e alívio tributário, entre outras, apontadas, recentemente, pelo ministro de Estado e da Coordenação Económica, José de Lima Massano, para, segundo ele, dinamizar o crescimento económico, terão razão de ser, se elas se reflectirem, de facto, na mesa do cidadão e nas acções a que se propõe o Executivo. Mas, também, terão efeitos multiplicadores se for adoptado outro modelo de comportamento dos gestores públicos e dirigentes para ajudar o próprio presidente da República. Porque, às vezes, é difícil aceitar o realismo, a crença na realidade que se vê, como única existente.
Creio que a par do estímulo ao sector produtivo (agricultura e indústria) é preciso também estimular os gastos em áreas consideradas "minas" do futuro que tragam retorno (educação e saúde), principalmente.
Olhando, atentamente, para o cenário internacional, as coisas cintilam e tremulam. Tornam- -se mais indeterminadas, permeáveis, e perdem certo teor de admissibilidade.
Em tempos difíceis, o ónus dos sacrifícios deve ser repartido, redistribuídos. E há perguntas que não se calam. De onde viemos, o que queremos ser e para onde queremos ir?
(Leia o artigo integral na edição 735 do Expansão, de sexta-feira, dia 28 de Julho de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)