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Opinião

O dividendo demográfico e o desemprego em Angola: "A armadilha malthusiana à moda angolana"

CONVIDADO

Se pudéssemos resumir os dados da evolução do desemprego em Angola numa frase, diríamos: "Trata-se de uma fotografia bela de uma família feliz em véspera de Natal e ano novo, mas que esconde raivas e rancores acumulados durante todo ano. Essa é a fotografia do desemprego em Angola".

O INE publicou recentemente os dados referentes ao emprego e desemprego em Angola e os números indicam aparente optimismo, pois a taxa de desemprego reduziu, quer seja em cadeia (-0,6 pp), como em comparação homóloga (-1,4 pp) e, não obstante isso, a informalidade também reduziu, quer em cadeia (-1,2 pp) como em comparação homóloga (-0,4 pp), sinónimo de que a redução na taxa de desemprego não foi transferida ou suprida pelo aumento da taxa de informalidade.

Olhando apenas para os números, parece-nos que tudo vai de vento em polpa, mas, se formos mais atentos, apercebemo-nos de um fenómeno que cada vez mais ganha espaço e tem efeitos devastadores sobre a economia nacional. Referimo-nos às discrepâncias do mercado de trabalho em Angola, manifestadas através da falta de sincronia entre os empregadores e a força de trabalho, fruto quer da estrutura, como da conjuntura económica. A falta de emparelhamento, entre aqueles que ofertam mão-de-obra e que procuram por ela, deve preocupar os fazedores de política económica, pois, se as mesmas persistirem, disrupções sobre as expectativas de consumo futuro e poupança passarão a ser gravemente afectadas.

Não obstante isso, dos pouco mais de 11 milhões que perfazem a população empregada, pouco mais de 9 milhões estão em empregos informais, sem qualquer garantia de uma reforma, e, com certeza, fortemente dependentes da existência dos bens e serviços públicos, cuja precariedade dispensa apresentações.

Por outra, o problema ganha novas proporções, pois, segundo dados do INE, em média, por cada trimestre em Angola, pouco mais de 254 mil jovens entre 15 e 24 anos não adquire nenhuma experiência profissional, o que, por força das exigências do mercado de trabalho (regra geral, não menos de 3 a 5 anos de experiência), faz com que não se encontrem aptos para concorrer àquelas vagas. Assim ocorrendo, estão forçados a, na maioria das vezes, entrar para o mercado formal de trabalho depois dos 24 anos, pelo que, jamais poderão reformar-se por tempo de contribuição.

Todavia, como dissemos logo no início, os dados escondem revelações assustadoras, pois vejamos: embora o desemprego esteja em queda desde o III trimestre de 2021, no entanto, o aumento do emprego foi, segundo realização de uma regressão linear, sustentado em até 90% pela informalidade, ou seja, em cada 10 novos postos de trabalho criados, apenas um se referia ao sector formal da economia!

Embora o PREI tenha até ao momento (8/08/2022, segundo o site oficial) formalizado 246.189 agentes económicos, ainda é pouco e o seu efeito quase nulo, uma vez que, a cada trimestre, em média 254.964 jovens entre os 15 e os 24 anos são forçados a entrar para o mercado informal, como resultado da elevada taxa de inactividade naquela franja social, que transita para outro escalão com pouca ou nenhuma experiência profissional, ainda que alguns sejam portadores de um grau de licenciatura.

Se pudéssemos resumir os dados da evolução do desemprego em Angola numa frase, diríamos: "Trata-se de uma fotografia bela de uma família feliz em véspera de Natal e ano novo, mas que esconde raivas e rancores acumulados durante todo ano. Essa é a fotografia do desemprego em Angola". Nesta senda, a exaustão técnica será o destino daquela força de trabalho que, por sinal, também é aquela que rapidamente se reproduz.

Segundo dados que constam do site oficial do United Nation for Population Fund, UNFPA, em Angola, a proporção de mulheres que aos 19 anos já tiveram o primeiro filho é de 55%, e 7% das gravidezes ocorrem entre os 15 e 17 anos de idade. Segundo dados que contam do Relatório da Pobreza de Angola (pág. 32), a incidência da pobreza aumenta entre a população residente quanto maior for o número de membros, sendo que a incidência da pobreza sobre agregados com 3 ou mais crianças é de 48,1%.

A pobreza aumenta cinco vezes mais em agregados com sete ou mais membros comparados com agregados com um ou dois membros. Desta feita, logo à partida, está criado todo um cenário que propicia a redução do nível de bem-estar e intensifica a exposição à pobreza, sendo urgente a necessidade de, antes de tudo, atacar o problema pela sua raiz, ou seja, permitir que os empregos formais gerados estejam ao alcance de todos aqueles cuja idade se subscreve entre os 15 e 65 anos, com maior relevância para os mais jovens.

A reconversão económica deve ir além do cadastro dos agentes económicos numa base de dados e para dá-los como "reconvertidos" é necessário que se garanta, de facto, o acesso aos canais de financiamento ajustado às suas capacidades, ao mesmo tempo que não só é criado, mas também seja materializado, um sistema e metodologia tributária e de pagamentos próprio, com vista a desincentivar a evasão e a fuga ao fisco, estimulando as contribuições à Segurança Social.

Assim, somos crentes de que Angola poderá tirar maior proveito do seu dividendo demográfico ao mesmo tempo que gera renda, que contribui quer para o financiamento directo e indirecto da despesa pública, bem como para a sua redução, uma vez que, se reduzida a informalidade, os custos associados com os programas sociais deverão reduzir-se, ainda que em proporções diferentes.

Neste segmento de ideias, o Programa de Reconversão da Economia Informal joga um papel fundamental, pois deve ser ainda mais célere, muito além de ser a marca do programa, e o seu principal instrumento de medição, o cadastro dos agentes informais, sob pena de cairmos na ilusão de reduzir a água do oceano com recurso a colheres de sopa!

Isto é, muito mais rápido as pessoas são forçadas a entrar no mercado de trabalho por via de empregos informais do que aqueles que migram para o sector formal, pois, embora os dados indiquem que a maior parte da população empregada trabalhe para o sector privado, 31,1% trabalham por conta própria e 24,3% é trabalhador familiar sem remuneração!

À guisa de conclusão, se forem persistentes as exigências das empresas ao contratar mão-de-obra, teremos a redução da entrada em massa no mercado de trabalho da força de trabalho mais jovem. São estes, cujo nível de consumo é, em média, superior ao seu nível de rendimento, e que estimulam a produção e o consumo nacional, gerando riqueza e rendimento nacional, pelo que se faz necessário a correcção dos problemas acima citados.

Por fim, é também importante destacar a estabilidade do emprego, pois a precariedade coloca a força de trabalho num nível de exposição ao desemprego tal que, aos mais cautelosos, a redução do consumo presente desestimula fortemente o surgimento de novos investimentos. Este é um problema que deve ser combatido com a eficaz qualificação dos quadros nacionais e a sua devida creditação, quer seja ao nível nacional como internacional

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