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Opinião

Angola: A liturgia da desigualdade - Do crepúsculo da esperança à alvorada da equidade na SADC (1975-2025)

CONVIDADO

O crescimento económico (Figura 1), que deveria ser o catalisador da justiça social, transformou-se numa engrenagem implacável de exclusão, amplificando o fulgor ofuscante de uns poucos sobre os cumes da opulência, enquanto perpetua o crepúsculo da maioria (Figura 2), abandonada às sombras de uma desigualdade que se cristaliza em cada fragmento desta narrativa (Tabela 1).

A desigualdade na Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), uma liturgia ritualizada, crava-se nas vísceras sociais e económicas, entoando um cântico austero que eterniza o abismo entre privilégio e indigência. Nas infinitudes assimétricas da região da SADC, emerge um quadro económico de espantosa iniquidade, onde o exíguo 1% mais abastado se apodera de mais de 14% do rendimento nacional, atingindo um clímax exorbitante de 25% em Angola, Maláui e Moçambique. Este restrito colosso de privilégio, corporizado no decil superior, apropria-se de até 60% da riqueza em oito nações, e de 50% nas restantes, relegando a metade inferior da população ao desamparo de uma penúria progressivamente agravada. Ao longo de três décadas, este desequilíbrio alcançou contornos quase imorredouros: enquanto os 10% mais ricos ampliaram o seu domínio sobre o rendimento de 49% para 65%, a metade inferior, subjugada à voragem do esquecimento, decresceu de 12,2% para 5,9%, traduzindo o mais lancinante declínio registado no continente africano(1). Assim, o crescimento económico (Figura 1), que deveria ser o catalisador da justiça social, transformou-se numa engrenagem implacável de exclusão, amplificando o fulgor ofuscante de uns poucos sobre os cumes da opulência, enquanto perpetua o crepúsculo da maioria (Figura 2), abandonada às sombras de uma desigualdade que se cristaliza em cada fragmento desta narrativa (Tabela 1).

1975-2000: O silêncio estridente das ausências

Entre 1975 e 2000, o país atravessou um cenário de ruínas e antagonismos, no qual as estatísticas se desvaneceram na poeira das batalhas, e o ideal de igualdade de rendimentos não passava de um eco utópico

2000-2008: O ápice da contradição e o brilho efémero

Entre 2000 e 2008, o ressurgimento económico revelou-se uma bênção enviesada, cujos benefícios se concentraram numa elite restrita. Em 2000, o coeficiente de Gini situava-se em 0,52 - numa escala onde zero (0) representa perfeita igualdade e um (1) máxima desigualdade - posicionando Angola no ápice sombrio da desigualdade na SADC, ombreando com a África do Sul (0,58) e Essuatíni (0,53). Paradoxalmente, o ano de 2008 trouxe consigo um clarão de esperança: o índice de Gini reduziu-se abruptamente para 0,43, marcando o melhor desempenho registado na história moderna do país. Todavia, mesmo neste interlúdio de progresso, Angola permaneceu entre os três países mais desiguais da SADC, acompanhada pela África do Sul (0,63) e Moçambique (0,45). Este período, que podemos apelidar de "brilho efémero", demonstrou o potencial latente de Angola para corrigir os desequilíbrios estruturais. No entanto, revelou também a fragilidade de um crescimento económico construído sobre alicerces desiguais. O país era, então, um gigante de riqueza natural, mas um anão de equidade distributiva

2008-2018: O recrudescimento das fendas

O coeficiente de Gini voltou a escalar, atingindo 0,51 em 2018, e Angola coroou-se como o país mais desigual da SADC. Superando Moçambique (0,45) e Tanzânia (0,40), Angola tornou-se o epítome da disparidade regional. Este recrudescimento das desigualdades reflete a falência das políticas redistributivas e a incapacidade de diversificar a economia para além da dependência do petróleo.

2018-2025: Kwenda - uma luz vacilante no horizonte

Perante este cenário de clivagens abissais, emergiu uma tentativa de reparação: o Programa Kwenda, uma iniciativa governamental concebida para mitigar os efeitos mais severos da pobreza extrema. Com um orçamento de 420 milhões de dólares, financiado em grande parte pelo Banco Mundial, o Kwenda visava beneficiar 1,6 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade extrema. O programa, focado em transferências monetárias, inclusão produtiva e descentralização social, trouxe alívio às franjas mais vulneráveis da sociedade. Contudo, o impacto do Kwenda foi limitado pelos desafios estruturais de Angola. Embora notável, carece de integração com reformas profundas que combatam as raízes da desigualdade. Sem uma reestruturação sistémica que promova a redistribuição de oportunidades e recursos, o Kwenda será apenas uma âncora insuficiente num mar de desigualdades.

Leia o artigo integral na edição 805 do Expansão, de sexta-feira, dia 06 de Dezembro de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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