Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Opinião

Nem toda a proposta de financiamento é para ser aceite!

MILAGRE OU MIRAGEM?

Os governantes angolanos precisam dizer "não" quando uma dada proposta não se mostrar pertinente e concorrer para o aumento da dívida pública. Lembramos aqui a notícia de 15 de Janeiro de 2019(2) que dizia que Angola iria comprar do Dubai uma central de dessalinização para instalar em Cabo Ledo, quando nessa zona passa o maior rio do País.

No início deste mês foi destaque a visita do Presidente da França ao nosso país para reforço das relações bilaterais. Esta visita segue a do monarca espanhol, a do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia e China, o que mostra que a administração Lourenço tem sabido diversificar as suas relações nesta fase em que Angola precisa dinamizar a economia não petrolífera.

Durante a visita de Emmanuel Macron, a assinatura de um contrato para construção de um satélite de observação da terra mereceu atenção, mas não conseguimos apurar o custo deste equipamento. Um jornal fez questão de destacar os vários serviços que o satélite poderá proporcionar, por ex., alerta para desastres naturais, monitorização das mudanças climáticas e estimação da produção agrícola. Foi aí que nos lembramos que estes serviços do novo satélite, baptizado de ANGEO-1, podem ser realizados através do ANGOSAT-2. Esta informação pode ser verificada no website do Gabinete de Gestão do Programa Espacial Nacional(1). Daí a questão: será que é prioritário construir um novo satélite, quando o ANGOSAT-2 não está completamente rentabilizado?

Os governantes angolanos precisam dizer "não" quando uma dada proposta não se mostrar pertinente e concorrer para o aumento da dívida pública. Lembramos aqui a notícia de 15 de Janeiro de 2019(2) que dizia que Angola iria comprar do Dubai uma central de dessalinização para instalar em Cabo Ledo, quando nessa zona passa o maior rio do País. Em nosso entender, depois do ANGOSAT-2, e feito o investimento em infraestrutura como foi o centro de controlo e missão de satélites, o Estado deveria deixar que o sector privado fizesse os próximos investimentos ao invés de comprometer a estabilidade das finanças públicas com este novo contrato. Vale aqui recordar que se trata de um financiamento, i.e., um empréstimo que Angola vai pagar com juros, e não de um investimento!

Segundo dados por nós consultados, estima-se que o mercado de observação da terra atinja os 4 427 milhões USD já em 2025, quando em 2019 era de 2 743 milhões USD(3). Sendo um mercado bastante promissor e tendo feito o investimento inicial num centro de controlo espacial, faz todo o sentido encorajar investimento privado, nacional, estrangeiro ou uma combinação de ambos, que possa contribuir para rentabilizar este centro de controlo. Da França, mais do que um satélite para estimar a produtividade agrícola, Angola precisa de negociar a vinda de investidores que possam implementar, por ex., fábricas de equipamentos agrícolas como pivôs de irrigação, fertilizantes, sementes melhoradas que possam concorrer para o aumento da produtividade neste sector.

O Libro Branco das TICs indica que o Programa Espacial Nacional (PEN) deve contribuir para a "criação induzida da indústria nacional de suporte à implementação do PEN". Claramente que isto não foi tido em conta nesta visita do Presidente francês, porque se assim fosse, ao invés de assinar um contrato para o ANGEO-1, o Executivo deveria ter assinado um contrato que promovesse o surgimento desta indústria de apoio ao PEN. Uma tal indústria teria de assegurar a inserção de conteúdo local, i.e., poderia começar pela montagem de componentes para posteriormente passar para a produção local destes componentes.

Em África países como o Gana e o Quénia lançaram satélites de produção própria, mas claro, com um tempo de vida útil menor do que o ANGOSAT-2, que é de 15 anos. Porém, este feito não deixa de ser um testamento de que é possível criar uma indústria nacional capaz de produzir componentes para montagem de satélites de menor custo, mas que fornecem alguns dos serviços previstos para o ANGEO-1, por ex., monitoramento de desastres naturais e previsão meteorológica. O satélite do Quénia custou 834 mil euros, foi construído por cientistas da Universidade de Nairobi e pesa 1,2 kg(4). O satélite do Gana foi construído por estudantes da Universidade All Nations em Koforidua, pesa 1 Kg e terá custado 50 mil dólares(5). O ANGOSAT-2, construído pela Rússia, custou cerca de 320 milhões de dólares.

Enfim, a construção de um novo satélite, na presença do ANGOSAT-2 ainda por rentabilizar, mostra que está certo quem sugere que em Angola não faltam recursos, mas governantes que compreendem que não se criam "competências científicas e tecnológicas nacionais independentes e sustentáveis", conforme sugere a Visão 2025 da Estratégia Espacial de Angola, sem se ter uma indústria capaz de montar satélites, nem que sejam de pequenas dimensões, como fazem hoje o Gana e o Quénia. Este é o tipo de visão que continua em falta na governação.