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Opinião

PROPRIV, solução para a tragédia do bem comum?

MILAGRE OU MIRAGEM?

Em nosso entender, a sustentabilidade das finanças públicas passa igualmente pela eliminação das despesas supérfluas, por ex., apesar do OGE suspender a atribuição de viaturas de apoio às residências dos deputados, a Assembleia Nacional, ainda assim, atribuiu viaturas neste ano. Por detrás da decisão de redimensionar o SEP, existe a ideia segundo a qual o Estado é um mau gestor! Acreditamos que esta ideia precisa ser questionada, afinal a pandemia da Covid-19 mostrou que o mercado por si só não foi capaz de coordenar os esforços necessários para um combate eficaz.

Recentemente, foi destaque a apresentação pública dos resultados do programa de privatização (PROPRIV 2019-2022), bem como a apresentação da sua extensão, onde irão fazer parte do "pacote" algumas empresas nacionais de referência. Segundo o Decreto Presidencial N.º 250/19 de 5 de Agosto, que aprova o PROPRIV, o Executivo pretende redimensionar o Sector Empresarial Público (SEP), através da privatização de activos e participações do Estado, com vista a garantir a sustentabilidade das finanças públicas. Em 2019, o Banco Mundial, através do International Finance Corporation, publicou um relatório "Criação de Mercados em Angola: Oportunidades de Desenvolvimento através do Sector Privado". Neste documento ficou evidente que, apesar de beneficiarem de subsídios operacionais, muitas empresas do SEP continuavam a dar prejuízos para o accionista (Estado), pelo que fazia sentido privatizar. Contudo, não podemos deixar de notar que o relatório, talvez por omissão, não considerou a possibilidade de sugerir uma alteração na forma como são escolhidos os gestores do SEP (muitas vezes tendo em conta a cor partidária).

Em nosso entender, a sustentabilidade das finanças públicas passa igualmente pela eliminação das despesas supérfluas, por ex., apesar do OGE suspender a atribuição de viaturas de apoio às residências dos deputados, a Assembleia Nacional, ainda assim, atribuiu viaturas neste ano. Por detrás da decisão de redimensionar o SEP, existe a ideia segundo a qual o Estado é um mau gestor! Acreditamos que esta ideia precisa ser questionada, afinal a pandemia da Covid-19 mostrou que o mercado por si só não foi capaz de coordenar os esforços necessários para um combate eficaz. Para além disso, se o "Estado" fosse assim tão mau gestor não teríamos como a melhor companhia aérea de África a Ethiopian Airlines propriedade do Estado Etíope. Temos é que questionar a razão pela qual o Estado é mau gestor em Angola (quando até parece fazer um bom trabalho noutros contextos)?

O Estado tira um bem da esfera pública e, através de um processo de privatização, passa para a esfera privada visando assegurar a sua rentabilização e/ou conservação. Apresentado desta forma, a privatização parece evitar a tragédia do bem comum (segundo a qual o que é de todos não é de ninguém, logo acaba por ser mal gerido/conservado). Porém, em Angola o Estado, que, por razões políticas, não garante cabalmente o direito de propriedade (impossibilitando, por ex., que muitos cidadãos usem as suas propriedades como colateral para fazerem investimentos no sector produtivo ou participarem no PROPRIV), apresenta-se agora como o promotor da iniciativa privada. Isto é algo que devemos questionar, especialmente quando se deseja distribuir de uma forma mais equitativa o rendimento nacional.

Um processo de privatização, se não for bem gerido, gera o que o pesquisador britânico David Harvey chamou de "accumulation by dispossession"(1) (trad. livre: acumulação por expropriação). Trata-se de um processo de acumulação diferente da acumulação primitiva (que foi precursora do capitalismo, i.e., da economia virada para o mercado), por ter lugar pela via do mercado. Ainda assim, é importante realçar que isso não faz da privatização um processo mais equitativo do que a acumulação primitiva. Sabemos que ,apesar de haver um processo de due delligence no âmbito do PROPRIV, o IGAPE não tem como assegurar que alguém que tenha beneficiado do processo de enriquecimento ilícito possa (através de vários mecanismos) usar tais recursos para adquirir, agora, pela via do mercado, os activos e participações que o Estado está a alienar pela via do PROPRIV.

Ao levar avante o PROPRIV num contexto em que as taxas de juros na zona Euro e nos EUA estão a subir (devido à alta inflação), reduz-se a apetência por esses activos e participações por parte de investidores estrangeiros. No entanto, abre-se aqui uma oportunidade para se assegurar uma melhor distribuição da riqueza nacional, desde que o PROPRIV seja muito mais inclusivo. Por exemplo, sabemos que as remessas de angolanos (para o país) são irrisórias quando comparadas com os fluxos que saem de Angola. O Estado poderia aproveitar este programa para mobilizar as poupanças que a diáspora angolana tem lá onde se encontra. Mas isto é algo que não acontece por acaso, é necessário que haja uma acção directa da governação (com apoio das representações diplomáticas).

(Leia o artigo integral na edição 726 do Expansão, desta sexta-feira, dia 26 de Maio de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)