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Opinião

Seca em Benguela: um ciclo vicioso que se repete

Convidado

Nos últimos dias a abordagem sobre a estiagem que afecta a província de Benguela está na pauta dos meios de comunicação social locais e nacionais.

Do interior da província as notícias são alarmantes. Segundo as autoridades locais, as colheitas foram perdidas na ordem de 80/ 90% e, para contornar a situação, adolescentes, maioritariamente meninas e jovens, chegam diariamente à cidade de Benguela em trânsito para as áreas agrícolas do Dombe-Grande, Equimina e Lúcira, em busca de uma oportunidade de trabalho.

Na Equimina há informação da redução da disponibilidade de pasto e carência gritante de água, estando a morrer animais em número ainda não determinado. No Dombe-Grande o rio Kupololo secou e populares já começaram a escavar cacimbas sobre o leito do Tchivangulula para obter água para o gado beber.

Nos municípios do litoral cresce o número de pessoas que recolhem alimentos dos contentores de lixo, enquanto no Bairro da Taka famílias inteiras varrem a estrada para recolher grãos de trigo que se perdem das viaturas que transportam matéria-prima para o empreendimento industrial ali instalado, para driblar a fome.

No meio de tudo isto, as autoridades locais dizem haver projectos para a resolução do problema, mas não há informação clara.

As notícias sobre chuvas irregulares que comprometem a produção agrícola têm sido frequentes, incidindo sobre os extremos. Se não chove o suficiente, chove demais, e as culturas perdem-se.

Porém, uma série de questões deve ser colocada: porque razão sempre que houver uma interrupção/irregularidade do ciclo hidrológico as culturas são logo e quase automaticamente comprometidas?

Qual é a estratégia de desenvolvimento da agricultura ao nível provincial? Havendo esta estratégia o que contempla em relação ao aproveitamento agrícola dos recursos hídricos da província? Quais são as razões que levam os produtores e criadores de gado a não utilizarem e rentabilizar os recursos hídricos?

De acordo com o Atlas Geográfico (1982: 19), a província de Benguela possui 4 bacias hidrográficas, nomeadamente Balombo, Catumbela, Kupololo e Catara. Outras linhas de água não são
mencionadas, como são os casos dos rios Kuselim, Kuvombwa, Bonga e Cubal da Ganda (na Ganda), Kulango (no Lobito), Cavaco, Kutembo e Chongoroi, além de pequenos cursos de água, que, bem aproveitados, irrigariam extensas áreas agrícolas.

Segundo Castanheira Diniz (1973), o território da província de Benguela está repartido pelas Zonas Agrícolas 22/29 (Litoral Sul), englobando os municípios do Lobito, Catumbela, Benguela e Baia-Farta, 23 (Transição Centro-Oeste) abrangendo os municípios do Bocoio, Cubal, Caimbambo, 24 (Planalto Central), abarcando os municípios do Balombo e Ganda e 27 (Quilengues) de que é parte integrante o município do Chongoroi.

Este autor assegura que na Zona 22/29 situam-se "alguns dos mais importantes núcleos de culturas regadas do território angolano", estando estabelecidas nesta zona agrícola: cana sacarina nas baixas aluvionais do Catumbela, Cavaco e Coporolo; palmeiras de dendém nas do Balombo, Cubal da Hanha e Coporolo; bananeira no Cavaco e Cubal da Hanha, e produtos hortícolas no Cavaco" (Diniz, 1973: 313). Já a Zona 23, caracteriza(va)-se pelo cultivo de milho, massambala e mandioca para o auto-sustento, associado à exploração agrícola orientada para o mercado do sisal, gergelim e rícino, algodão , tabaco, girassol e ananás, associado à criação animal, especialmente a bovina (Diniz, 1973: 337). A Zona 24 corresponde ao planalto central, com precipitações que variam entre 1.100/1.400 mm, e predomina o cultivo de milho, feijão, batata-doce e mandioca, espécies florestais exóticas (Diniz 1973: 352).

Nos municípios do Bocoio, Cubal, Caimbambo e Balombo é predominante no seio de comunidades rurais a ideia de que "aquele que irriga os seus terrenos é responsável por amarrar a chuva", impedindo que ela caia e beneficie todos, razão pela qual é comum encontrar-se campos cultivados a definharem mesmo à beira de uma vala de distribuição de água.

Quando ocorrem casos do género os "culpados de amarração da chuva por recorrerem à irrigação" são punidos, geralmente, com castigos físicos. Ao participar num debate na Rádio Eclésia de Benguela, o director provincial da Agricultura e Pescas dizia que esta situação condiciona a generalização do uso da agricultura irrigada nestas áreas. No entanto, a experiência de trabalho desenvolvida por ONG"s demonstra que a acção articulada de diferentes actores contribui para a desmistificação e eliminação de preconceitos.

As autoridades locais afirmam perdas das colheitas da primeira época da presente campanha agrícola na ordem de 80/90%. Para contornar a situação garantem distribuir para a segunda época sementes de milho, massambala e outras espécies resistentes à seca. No entanto, todo o esforço será praticamente inútil, se não houver chuvas regulares.

A construção de represas para a implantação de perímetros irrigados, a dinamização de acções de extensão rural e mobilização comunitária sobre os benefícios da irrigação e a promoção de espaços temáticos de diálogo (no caso de segurança alimentar) são algumas das medidas a implementar para que saiamos deste ciclo vicioso que se repete ao longo destes anos. Do nosso ponto de vista, o Governo Provincial de Benguela deve:

01. Definir uma estratégia de fomento da produção agropecuária assente no aproveitamento dos recursos hídricos disponíveis na província de Benguela que inclua a construção de pequenas represas, valas de distribuição de água para se melhorar o aprovisionamento de água que possa estar disponível em períodos de escassez e permitam o seu uso colectivo;

02. Realizar acções de mobilização e consciencialização sobre o aproveitamento da água para a irrigação de culturas e os seus benefícios assim como o ciclo hidrológico, no quadro da extensão rural;

03. Revitalizar os espaços de articulação e diálogo, aos níveis provincial e municipal, que congreguem os diferentes actores que trabalham no sector e estimular o seu funcionamento regular. Hoje no mundo já não se justifica a prática exclusiva da agricultura de sequeiro. É preciso tomar decisões radicais para que possamos afastar o drama da fome e da miséria junto das famílias.

*Técnico de Desenvolvimento Comunitário