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Angola

Recenseamento das aldeias e do meio rural demonstra que a vida não se faz nos municípios

RESULTADOS DO MÓDULO COMUNITÁRIO REALIZADO PELO INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA

Relatório produzido e divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) contraria o slogan oficial com números e dados objectivos. Meio rural está abandonado e desligado do resto do País, realidade que tem efeitos complexos na vida (excessivamente centralizada) do País, com sérias ramificações na economia.

As informações recolhidas pelo Recenseamento Agro-Pecuário e Pescas (RAPP) 2019-2020, o primeiro realizado no País com estas características, demonstram sem rodeios que existe uma Angola esquecida para lá das grandes cidades. O esquecimento não é uma metáfora, nem uma hipérbole, nem tão pouco uma forma rebuscada de colocar o tema. É a realidade objectiva de pelo menos 23.832 aldeias, onde apenas 14% destas localidades tem acesso a serviços de saúde e só 36% conta com uma escola primária. A vida faz-se nos municípios? Não.

As dificuldades do meio rural não se confinam meramente à saúde ou à educação, embora sejam sectores essenciais e cronicamente desvalorizados no desenho das políticas públicas. Os entraves são extensivos a todos os elementos que trazem conforto e rendimentos económicos aos seres humanos.

Se em apenas 3.230 das 23.832 aldeias existem serviços de saúde ou unidades sanitárias (14% do total) e escolas primárias em 8.564 pequenas localidades do País (36%), a vertente económica da vida social é ainda mais preocupante. Só existem instituições bancárias e serviços financeiros em 124 aldeias visitadas pelo INE, o que representa uns insignificantes 0,5% do total.

Quanto ao acesso a equipamentos e serviços técnicos, o cenário acompanha a tendência geral. Apenas 19% das aldeias contam com equipamentos agrícolas mecanizados, serviços de manutenção ou assistência técnica para o equipamento agrícola, um número irrisório face ao potencial da agricultura familiar e à necessidade de os camponeses aumentarem os seus rendimentos para quebrar um pesado ciclo de pobreza multidimensional.

Se a análise incidir sobre os fertilizantes, apenas cerca de 1% das al deias dispõe de serviços adequados. Esta percentagem é quase a mesma para a presença de vendedores de pesticidas, sementes agrícolas e lojas de instrumentos de trabalho agrícola, assinala o INE no recenseamento das aldeias incluído no RAPP 2019-2020.

Aproximadamente em 3% existem unidades de processamento e de conservação de produtos agro-pecuários, 2% das aldeias possuem unidades de armazenamento de produtos agrícolas e em 3% de aldeias existem unidades de processamento e de conservação de produtos agro-pecuários. No fundo, a actividade económica rural está completamente desestruturada ou será mesmo inexistente, resistindo apenas as actividades de subsistência.

No que concerne ao acesso das aldeias aos meios de transporte - outro indicador fundamental para a actividade económica - das 23.832 aldeias recenseadas, 11.781 têm acesso ao táxi/candongueiro (49%), 2.215 têm acesso ao autocarro (9,3%), 420 aldeias (1,8%) fazem uso de barcos e canoas e apenas 250 (1,0%) têm acesso ao comboio, enquanto 185 aldeias afirmam ter outros meios de transporte.

Fernando Pacheco, engenheiro agrónomo com uma vasta experiência no desenvolvimento rural e comunitário, sublinha que estes resultados permitem ter "um melhor conhecimento da realidade vivida nas áreas rurais".

"O RAPP 2019-2020 foi uma realização de grande importância que só pecou por tardia. Estava inicialmente previsto para 2013, houve sucessivos adiamentos justificados pela deriva do preço do petróleo, mas também pelo pouco interesse do Executivo pela investigação e pelo conhecimento", reconhece o especialista, que não esconde a desilusão sobre o esquecimento a que foi remetido o meio rural.

(Leia o artigo integral na edição 712 do Expansão, de sexta-feira, dia 17 de Fevereiro de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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